terça-feira, 25 de outubro de 2011

MINHA MONOGRAFIA (Parte VIII)

A TRANSVALORAÇAO DE TODOS OS VALORES

A ousadia do espírito nietzschiano tece um projeto de uma envergadura histórico-cultural sem precedentes – apontar um horizonte de novíssimos valores para uma humanidade sobrecarregada pela inversão axiológica cristã. Para Nietzsche, não há um só valor cristão que realmente represente a avaliação e a valoração do homem, no que há nele de natural. A moral cristã lançou um véu, uma nuvem escura, sobre os conceitos axiológicos mais puros, para então instaurar sua ética, estabelecer sua cultura e desvirtuar as concepções humanas.
A filosofia nietzschiana é um dedo apontando o caminho – “uma ponte sobre um abismo”, levando ao outro lado, à superação de si mesmo. Dois mil anos de cristianismo afundaram a Europa e todo o Ocidente em falsas concepções, em falsos valores, produzidos por errôneas avaliações, sendo necessário agora, para o resgate de nosso direito natural de medir, pesar e valorar, uma transvaloração de todos os valores cristãos.
Qualquer rápida observação criteriosa dos enunciados cristãos deixa às claras o quanto houve de deturpação valorativa. Vejamos alguns exemplos: “os primeiros serão os últimos”, “o menor será o maior”, “aquele que se humilhar será exaltado”, “quem morrer viverá”, “os mansos herdarão a terra” – talvez estes já sejam suficientes. O que a História nos conta vai na contra-mão de todo o relato bíblico. Somente os fortes venceram, sobreviveram, perpetuaram sua espécie e herdaram a terra. Os hebreus nunca encontraram sua terra prometida e os judeus de Israel ainda não testemunharam o retorno de Elias. Os cristãos de todo o Ocidente, fiéis ao sangue do “Cordeiro” e subjugados ainda pela fome, pelas doenças e pelas guerras, precisam de muita fé e “desespero” (uma total falta de esperança) para acreditarem nas palavras do profeta que vaticinava a imolação do Cristo: “Em verdade, ele tomou sobre si nossas enfermidades e carregou com nossos sofrimentos” (Is. 53,4).
No século XI, com o Cisma do Oriente, em 1054, o cristianismo sofreu seu primeiro golpe institucional – foi dividido em Igreja Católica Apostólica Romana, sob o comando do papa, e no Oriente, a Igreja Católica Apostólica Ortodoxa, sob orientação do patriarca. Mas isso não foi suficiente! Quando no século XVI, a Igreja cristã se debatia e agonizava sob o peso da própria corrupção interna, denunciada por Lutero, a Reforma veio, não para dar “o tiro de misericórdia”, e sim para renovar as forças de um moribundo, que desde então ganhou sobrevida. O cristianismo se arrasta, mas tem o meticuloso cuidado de manter seu dedo em riste, para condenar qualquer avanço cultural e científico de real expressão (no passado, homens como Galileu Galilei e Giordano Bruno e, na atualidade, as questões do aborto, da contracepção e das células-tronco, ilustram muito bem). A fé cristã exorta os homens a uma humilhação religiosa e submissão para neutralizar sua “vontade de potência” – é o que dirá o filósofo.

“O niilismo, como condição psicológica, aparecerá primeiramente, logo que sejamos forçados a dar a tudo o que acontece o “sentido” que aí não se encontra: dessa forma, quem procura, acabará por perder a coragem. O niilismo é pois o conhecimento do longo desperdício de força, a tortura que ocasiona esse “em vão”, a incerteza, a falta de oportunidade de se refazer de qualquer maneira que seja, de tranqüilizar-se em relação ao que quer que seja, a vergonha de si mesmo, como se fôramos ludibriados por longo tempo”

(NIETZSCHE, 2004, p. 94).

Para Nietzsche, a herança do cristianismo para a Europa é uma pesada nuvem sombria, plena de niilismo, pessimismo, ressentimento, falsos valores e desprezo pelo próprio homem. A transvaloração de todos os valores cristãos tem como prerrogativa uma novíssima consciência livre de “Deus”.
Bernadette Siqueira Abrão, organizadora da obra “História da Filosofia” (Coleção Os Pensadores) tenta nos esclarecer a necessidade da morte de Deus para o ideal nietzschiano, da seguinte forma:

“Mas por que a morte de Deus deve implicar a desvalorização dos demais valores? Para compreender isso deve-se levar em conta que, para Nietzsche, a morte de Deus é apenas um capítulo de uma história bem mais longa: a morte do mundo-verdade, ou seja, o fim do platonismo. Assim, o niilismo significará também que nada é verdadeiro, e por isso mesmo tudo é permitido (...). Se o “cristianismo” não é mais a “verdade”, mas “apenas uma perspectiva entre outras”, é como tal que ele deve ser analisado. A partir de agora, a nossa “civilização” tornou-se um texto a mais, submetido à analise do filólogo”.

(ABRÃO, 2004, p. 413)

É imprescindível que se tenha claro que o objetivo do filósofo não é meramente combater um ser supremo ou uma religião. Sua meta é amplamente histórica, cultural e moral. Para tanto, seu ataque precisa ser exatamente contra a maior pilastra dessa instituição religiosa, da Igreja cristã. Quase podemos ouvir sua voz reconsiderando: “nada contra os céus, contanto que nos deixem em paz!”, seria uma possível sentença nietzschiana. Se, para nos sentirmos livres e renovados, é necessário o sacrifício de alguém, nada mais glorioso do que a morte de um deus – poderia ser este o artigo número um da fé nietzschiana.

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