sexta-feira, 14 de outubro de 2011

MINHA MONOGRAFIA (Parte VII)

A MORAL DE REBANHO

A vida, conforme a compreende Nietzsche, é luta incessante, vontade de domínio, “vontade de potência” – um palco de vencedores e vencidos, no qual, a qualquer momento da história, uns podem virar os outros, num processo incessante de superação e auto-superação. Em contrapartida, o que se estabeleceu com o nome de moral, no parecer do filósofo, e que é fundamentalmente a própria moral cristã imposta ao ocidente, é um atentado à vida e à natureza, portanto, um delito contra o próprio homem.
Para o filósofo, o homem é filho da Terra – ele é corpo e vontade de sobreviver e vencer. Se falarmos em virtude, o filósofo nos dirá que as verdadeiras virtudes do homem só podem ser o orgulho, a alegria, o amor sexual, a vontade inabalável, a disciplina da intelectualidade e o reconhecimento do sentido da Terra. Porém, as virtudes exigidas pela moral cristã combatem os instintos naturais do homem – humildade, compaixão, bondade, renúncia, autopenitência, não passam de deturpações e autoflagelamento do homem. A moral para Nietzsche é “imoral”.

“A moral é a forma mais maligna da vontade de mentir, a verdadeira Circe da humanidade: é o que precisamente a tem corrompido. Não é o erro, como erro que, neste aspecto me causa espanto; não é falta de “boa vontade”, de disciplina, de decência, de coragem intelectual que sofremos a milhares de anos; é a ausência da naturalidade, o fato espantoso de que a contranatureza tem sido venerada com as maiores honras, sob o nome de moral, e ficou suspensa, como uma lei, acima da humanidade”.

(NIETZSCHE, 1990, p. 173.)


As noções de moral e de virtude encontradas em Nietzsche tendem para o sentido natural e não para uma tentativa de amoldar comportamentos e disposições existentes no homem a uma forma “ideal”, a um modelo religioso – numa palavra, a uma concepção cristã. “Para Nietzsche a verdadeira virtude não precisa de porquês. A prática do bem não deve estar condicionada a uma praga ou ao terror de um castigo” (nota de rodapé de Mário D. Ferreira Santos, in Vontade de Potência, p. 186).
Mais adiante, o próprio filósofo declarará sua indignação.
“(...) a história da luta da moral contra os instintos fundamentais da vida é a maior imoralidade que até hoje já existiu sobre a terra...” (Nietzsche, 2004, p. 190).
O repúdio ao cristianismo e a declaração da “morte de Deus” fundamentam-se no filósofo a partir da convicção de que é a moral cristã que impregnou toda a mentalidade e cultura ocidentais de antinaturalismos e entraves para uma humanidade mais vigorosa e criativa, e de que “Deus” é a denominação cristã para tudo que despreza a vida, calunia a natureza e humilha o homem. Segundo Nietzsche, a religião judaico-cristã é a forma mais mesquinha e desonesta de ressentimento; é a tentativa danosa de um povo em sofrimento de, não encontrando seu lugar e seu valor sobre a Terra, inculcar nos demais povos a idéia de que há um Deus todo-poderoso que zela por ele e castiga seus inimigos de forma vingativa e definitiva, e de que somente os “valores espirituais” podem outorgar à alma uma morada no além, no “reino dos céus”.
A idéia de “moral de rebanho” vem concomitante à de que os cristãos são guiados por um “pastor”. O rebanho cristão, que se arrasta desde a antigüidade, sem encontrar seu lugar e tendo por condição humana o sofrimento e a escravidão, apela para uma entidade metafísica, extra-mundana, a-histórica, e apregoa valores e virtudes, tais como piedade , tolerância e abnegação, mas na prática, deixa denunciar seu ressentimento contra o homem forte, o povo bárbaro, ao senhor dominante da terra em que habita. Em vista disso, Niestzsche irá considerar essa moral cristã como também sendo a “moral do escravo” – aquele que cria valores espirituais, elevados, em si, para desconsiderar os valores mundanos do seu senhor.
“Que é que determina o valor superior? Que é exatamente a moral? – O instinto de decadência; é para os esgotados e os deserdados uma forma de se vingarem” (Nietzsche, 2004, p. 232).
O rebanho – o povo hebreu – deturpou todas as concepções e todos os valores que encontraram nos povos que o escravizaram. Ou seja, a moral do “senhor” – aqui significando os adversários do povo eleito - recebeu um significado negativo – injustiça, imoralidade e mentira – e estabeleceu-se tudo o que era a negação do que ali havia. Daí temos: a justiça, a moralidade e a verdade só são possíveis a partir de uma leitura ou de uma vivência na fé judaico-cristã, tudo mais é erro! Alquebrar a força dos fortes e inverter valores são os ideais cristãos.


“O cristianismo pretende dominar homens ferozes; o meio de conseguir é torná-los doentes”. (...) ninguém tem a livre escolha de se fazer cristão; uma pessoa não se converte ao cristianismo, é necessário estar suficientemente enfermo para isso ...”

(NIETZSCHE, 2000, p. 55, 90).

A moral de rebanho – a ética cristã, seus postulados, valores e virtudes - impregnou a humanidade de uma inversão de consciência. Tudo o que era útil, valoroso, vigoroso, instintivamente humano, foi rotulado de “pecado”; toda a vida, toda a existência degenerou para a “expiação”; o simples fato de nascer já era um erro que precisava ser reparado com o sacrifício, com o arrependimento, com a humilhação. O rebanho precisava ganhar terreno neste mundo e inventou o desprezo pela terra, a negação da natureza, o niilismo. Como uma aranha lançou suas teias ‘invisíveis” por toda parte e apanhou insetos de variadas espécies. Nietzsche lamenta que homens da qualidade de Pascal, Espinosa, Kant, Schopenhauer e Wagner se tenham deixado capturar por tão infame ardil. O filósofo condena Sócrates, Platão e Epicuro por estabelecerem as bases filosóficas do cristianismo, e Agostinho e Tomás de Aquino por se encarregarem de ser eles próprios os filósofos do cristianismo.
“E os filósofos apoiaram a Igreja, a mentira da “ordem moral universal” percorre toda a evolução da filosofia até à mais moderna”. (Nietzsche, 2000, p. 60).
O homem-dimamite considerava impossível ser-se, a um só tempo, filósofo e cristão. Note-se que, para Nietzsche, filósofo é sinônimo de “espírito livre”, portanto, completamente o oposto de “rebanho”.

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