quarta-feira, 29 de junho de 2011

Mudar? Por que mudar?

Mudar? Por que mudar?

terça-feira, 28 de junho de 2011

AS VANTAGENS EM SE PUBLICAR ARTIGOS

Por que publicar artigos?*


Você escreveu um artigo profissional e de qualidade. E agora? vai querer que ele "junte poeira" ou que alcance apenas um ou dois clientes potenciais? Na certa a resposta é não... A publicação de seus artigos, seja em periódicos, seja em sites da Internet, ajuda muito a divulgar o seu trabalho como escritor, seja de qual área for, alcançando milhares de usuários sedentos por informação e conteúdo para os seus sites.
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Eu, por exemplo, só este ano, tenho três artigos publicados em revistas nacionais e três no site do Artigonal. Já estão programadas, pelo menos, mais 4 publicações até o final do ano em revistas, como Conhecimento Prático Filosofia (Editora Escala), Filosofia (Mythos Editora) e Sexto Sentido (Mythos Editora), além de outros que ainda publicarei no Artigonal.
A importância de ter um artigo publicado não se resume, nem deve se resumir, a meramente "ganhar dinheiro". Publicando seu artigo, você transmite seus conhecimentos, gera informação, dá visibilidade a seu trabalho, além de usufruir de uma satisfação ímpar de se ver publicado e divulgado.
O reconhecimento virá tão logo o seu público-alvo comece a responder às suas publicações e indicar seus textos a outras pessoas, assim como a partir da procura de outras editoras por seu trabalho.

* Este texto foi adaptado do original que se encontra no site www.artigonal.com do qual sou colaborador.

segunda-feira, 20 de junho de 2011

NIETZSCHE EM FOCO

Por que Nietzsche não é cristão?
Por Gerson Nei Lemos Schulz*




Friedrich Nietzsche (1844-1900) ainda hoje é um autor que chama a atenção de muitos leitores. Seja porque Foucault, Heidegger ou Sartre o tenham citado amplamente, seja porque tantos outros o chamaram de maldito (em relação à sua herança: as críticas à religião cristã). Ou ainda por causa das deturpações que sua irmã, Elisabeth Nietzsche, promoveu em suas obras; especialmente em Vontade de Potência, para agradar Adolf Hitler e os nazistas e se promover na década de 1930.

Nietzsche escreveu sobre arte (literatura e música), moral e ética, religião, antropologia, teoria do conhecimento e também é autor de um romance losó co, o Assim falou Zaratustra. A di culdade para ler Nietzsche está no fato de, além das traduções do alemão para o português nem sempre serem éis, ele não separar tais assuntos em obras sistematizadas (por exemplo, Kant - 1724/1804 - o fez), mas aqueles que querem escutar Nietzsche por meio de suas obras devem executar verdadeiro trabalho de pesquisador atento, pois são muitos os jogos de linguagem que ele usa, os trocadilhos e ironias, interjeições etc.

Mas Nietzsche era um lósofo do porvir, como gostava de salientar, e isso porque talvez, mais do que um a Feuerbach (1804-1872) ou um Schopenhauer (1788-1860), tenha vivido na própria carne seu tempo e as mazelas da Europa de m de século com a Guerra Franco-Prussiana, que abalou as bases culturais do continente.

Enquanto Feuerbach desmisti cava o cristianismo (em sua A essência do cristianismo) e Schopenhauer losofava racionalmente (aos moldes ocidentais em O mundo como vontade e como representação) sobre a ideia oriental budista da a ascese, e fazia avançar o pensamento humano para considerar a existência da possibilidade de uma "vontade cega" que guia o universo, concluindo, com isso, que não há sentido último no universo, que o mundo não está aí para o homem se deleitar com seus frutos (ao contrário, tudo está aí por mero acidente), não há planejamento, não há deuses por trás das coisas, o homem, grosso modo, para Schopenhauer, também é um acaso da "vontade cega" que comanda o universo.



FEUERBACH
Teólogo, filósofo e antropólogo nascido em Landshut, no atual território da Alemanha, Ludwig Andreas Feuerbach (1804-1872) foi um pensador humanista que se destacou por suas obras em que abordou a religiosidade, como A essência do cristianismo. Considerado um dos "jovens hegelianos", a filosofia de Feuerbach exerceu influência na obra de Karl Marx, que analisou a contribuição feuerbachiana no livro A ideologia alemã.



NIETZSCHE E AS CRÍTICAS AO CRISTIANISMO

Nietzsche não é o primeiro autor moderno a criticar a religião cristã. Feuerbach, Marx (1818-1883) e Engels (1820-1895) já o tinham feito. Feuerbach mostra que foi o homem quem criou "deus" e não o contrário, e isso se deu quando o homem projetou em um ser imaginário tudo aquilo que desejava ter: imortalidade, sabedoria, onipresença, onipotência e onisciência.

Marx mostrou que são as condições econômicas e materiais que condicionam as ideias do ser humano e que eles estão atrelados a seu horizonte histórico. Além disso, a sociedade, para Marx, é constituída pela luta de classes (que é o motor da história), sendo assim há uma luta entre proprietários dos meios de produção (burgueses) e operários (proletários), estes últimos são espoliados pelos patrões, que se bene ciam deles pela mais-valia (o lucro que o trabalhador produz e que vai para o bolso do patrão); logo Marx advoga pelo m dessa luta, ou seja, a abolição das classes sociais, o socialismo. Isso para que todos tenham acesso às benesses da vida moderna (e não apenas alguns poucos que podem pagar por isso). Consequentemente, Marx a rma que a religião também desapareceria, pois "Deus" não passa de uma criação do homem para justi car a vida de sofrimentos que tem na Terra (com ideias como pecado e redenção ou sofrimento e recompensa no além).

Mas aí surge Nietzsche com outro foco crítico contra a doutrina cristã, a moral e sua gênese. E é para entender isso que não se poderia inescrupulosamente apresentar o autor sem seu contexto histórico e sem aqueles que o antecederam. Da mesma forma como é importante avisar àqueles que tomam primeiro contato com Nietzsche e suas polêmicas declarações de que ele não con ita apenas uma das igrejas cristãs, mas todas.

CONTRAPOSIÇÃO: A ÉTICA CRISTÃ NEGA A VIDA NA TERRA

Para Nietzsche, o Ocidente, adotando a ética cristã, negou a vida real (material). Então, segundo ele, a doutrina judaico-cristã, com o conceito de "Deus castigador", moralista e juiz de homens como no Antigo Testamento, serviu apenas como um "cabresto". Jesus, com ideias como "ressurreição" e "mundo melhor" após a morte, apenas contribuiu para que todos se penitenciassem para escapar do pecado original. Mas esse pecado é impossível para Nietzsche quando ele pressupõe que o homem não tem "alma" (no sentido de algo que sobrevive após a morte) e que "Deus" não existe fora da mente humana.

O homem, então, é concebido apenas pela força da natureza e se perece com a morte. Caso isso seja verdade, infere Nietzsche que o "pecado" não passa de invenção que alimenta o medo (medo de morrer e ir para o "inferno"), medo este que é o fundamento da moral cristã. Em sua Genealogia da Moral, Nietzsche a rma que primeiramente a moral foi criada para impedir o homem de cair no niilismo e para dar explicações para a vida e seus sofrimentos. Entretanto, seu principal fator de fundamentação se constituiu no medo (NIETZSCHE, Genealogia da Moral In: Os Pensadores, p. 333). Quer dizer, o que o autor percebe de nocivo aí é que não há nenhuma relação de amor ou gratuidade com um suposto "Deus", o que há é o culto de "Deus" pelo homem porque o homem é um "covarde da vida". Teme suas mazelas e se esconde atrás de "Deus", que serve como muleta.

Nietzsche diz que é esse medo que gera a angústia diante da vida e acarreta a busca do perdão de "Deus". O problema para Nietzsche está no administrador do perdão, o sacerdote. Para Nietzsche, a lei, falando pela boca do sacerdote, transforma-se na moral vigente. Há uma máscara sobre "Deus", porque o sacerdote ganha para si o poder da lei, personi cando "Deus". E, como a lei vem de um "Deus" que precisa de intérpretes (pois os textos bíblicos são a única manifestação que o crente aceita como tal), os homens elegem o sacerdote como o intérprete de "Deus". Mas aí surge outro problema, diz Nietzsche: se "Deus" é juiz dos homens e o sacerdote (padre ou pastor cristão) é seu porta-voz, então, na realidade, é o sacerdote quem julga os homens? Sim, diz ele, porque mesmo que "Deus" exista quem dá a última palavra é o sacerdote.

Assim, o sacerdote, se é quem controla o divino (porque interpreta a lei e "sabe" o que "Deus" quer dos homens), controlando o mundo terreno e controlando as coisas da Terra, controla o comportamento das pessoas por meio da moral. Assim Nietzsche mostra como os homens se deixam aprisionar por uma metafísica, ou seja, moral cristã, que é reproduzida de geração a geração e pela qual são punidos aqueles que desejam apontar suas contradições. É por isso, conclui Nietzsche, que a moral é uma "prisão" para os homens.

Quanto ao crente (cristão), este se deixa guiar passionalmente por acreditar que o sacerdote o levará ao paraíso com a graça de "Deus". Mas, para Nietzsche, esse "Deus" (como já foi dito) é uma muleta que serve para o homem amenizar sua fraqueza carnal diante do mundo real. Logo, Nietzsche rejeita a doutrina cristã, chamando-a de "moral de rebanho". "Moral de fracos" que se unem para louvar "Deus" (o cabresto) e pedir perdão a "ele". A moral cristã que arrebanha crentes para cultuar "Deus" recruta culpados para que "ele" seja reconhecido como tal. O menosprezo pelo homem que eleva "Deus" torna-o algoz do homem. Foi por isso que Nietzsche a rmou no Anticristo: "Deus está morto".


O PROBLEMA DA MORAL CRISTÃ


O problema da moral cristã, seu maior erro, diz Nietzsche, é querer mudar o homem para algo melhor. Em outras palavras, ele quer dizer que quando Jesus instituiu sua moral, o fez em nome do "Deus-cabresto." É como se Jesus dissesse: "Obedeça-me ou o meu 'Deus' te punirá. A pergunta que surge da re exão nietzschiana é: "se perdoar signi ca apenas contentar um 'Deus' ou cumprir a lei, que valor tem o perdão?" Perdoar por esse motivo é comprar "Deus" e isso pode ser ilustrado no sacrifício que os judeus realizavam no Templo de Javeh na antiga Israel.

Para superar isso é que Nietzsche propõe uma ética a ser praticada por aqueles que têm coragem de enfrentar a vida sem se ajoelhar diante dos cabrestos. Por quem não acredita no reino dos céus nem espera recompensas no além-mundo. Nietzsche queria, sim, a abolição do cristianismo. Pode-se argumentar que a ética nietzschiana é para aqueles que se sentem grati cados com a simples felicidade do próximo. Como exercício de ilação pode-se inferir que aqueles que pensam assim perdoariam ou não de acordo com sua consciência (com o sentimento de bem-estar consigo mesmo) e não a partir dos padrões morais vigentes ou por causa da vontade da igreja ou do sacerdote e muito menos por medo do castigo divino.



ASCESE
Expressão de origem grega que significa "exercitar", a ascese, segundo o dicionário Aurélio, é um "exercício prático que leva à efetiva realização da virtude". É, pelo viés do dogma religioso, uma busca pela contenção do prazer em busca de uma virtude moral. Em livros como A ética protestante e o espírito do capitalismo, o sociólogo alemão Max Weber estuda o ascetismo religioso.


Para Nietzsche, foi o ideal ascético (a vontade de se puri car) o principal motivo que levou ao surgimento da moral. Por isso ela é (aparentemente) uma autoridade superior à qual se obedece não porque ordene o que é "melhor", mas simplesmente porque ordena e questioná-la já é por si uma imoralidade. É o medo perante essa "inteligência" superior que ordena, é o medo de um poder incompreensível e impreciso de qualquer coisa que ultrapassa o individual, um medo que está impregnado de superstição, como diz em O crepúsculo dos ídolos (p. 69): "Em todos os tempos quis-se melhorar o homem; a rigor é o que chamamos de moral. Porém sob a palavra moral se ocultam tendências muito diferentes.

A domesticação do animal humano e a criação de uma espécie determinada de homens são um melhoramento e essas noções zoológicas, as únicas que expressam realidades, porém realidades que o melhorador típico, o sacerdote, ignora e não quer saber nada a respeito. Chamar melhoramento à domesticação do animal soa aos nossos ouvidos quase como uma brincadeira. Contudo, duvido muito que o animal acabou melhorando. É debilitado, é efeito menos perigoso; com um sentimento deprimente do medo, com a dor e as feridas faz-se dele um animal enfermo. O mesmo sucede ao homem domesticado, que o sacerdote tornou melhor".

Nietzsche diz que o homem era uma "caricatura", um "aborto" e que assim é que foi feito um pecador. "Estava enjaulado, fora encerrado no meio de ideias espantosas. Doente e miserável se aborrecia a si mesmo, estava repleto de ódio contra os instintos da vida, repleto de descon ança em relação a tudo que permanecia sendo forte e feliz. Em uma palavra: era cristão" (Idem).

"Em todos os tempos quis-se melhorar o homem; a rigor é o que chamamos de moral. Porém, sob a palavra moral se ocultam tendências muito diferentes. A domesticação do animal humano e a criação de uma espécie determinada de homens são um melhoramento e essas noções zoológicas as únicas que expressam realidades, porém realidades que o melhorador típico, o sacerdote, ignora e não quer saber nada a respeito."
Aqui Nietzsche aponta alguns malefícios que a moral cristã fez ao homem em geral, enjaular o humano (o animal) e domesticá-lo foi já transformálo em algo doente e estabelecer nele valores niilistas, porque se negou uma parte de sua própria natureza para dar lugar a outra (mutilada), ao racionalismo, apenas. Pretende perguntar com isso onde está, a nal, o humano no cristão quando se comporta negando a sexualidade, o corpo, o amor como encontro com o outro (encontro até sexual). Em outras palavras, é possível perguntar: Que validade tem, a nal de contas, ser cristão se este vive ameaçado pela terrível punição de ser excluído da presença de Deus se não se comportar "bem"? Se não se enquadrar na sua "moral"? Para responder a isso, Nietzsche propõe "transvalorar" todos os valores.

A TRANSVALORAÇÃO DOS VALORES

Diz Nietzsche que o que ele exige do " lósofo é que se coloque além do bem e do mal, que ponha sob si a ilusão do juízo moral" (Anticristo, p. 69). Ainda diz que o "juízo moral tem comum com o juízo religioso o crer em realidades que não existem."

Para ele, a moral é uma interpretação de certos fenômenos, mas uma falsa interpretação: "O juízo moral pertence, como juízo religioso, a um grau de ignorância em que a noção da realidade, a distinção entre o real e o imaginário não existe, de modo que em tal grau a palavra 'verdade' serve para expressar coisas que hoje chamamos imaginação. Por isso não se deve nunca tomar ao pé da letra o juízo moral, pois entendido assim seria um contrassenso. Entretanto, como semiótica possui um valor inapreciável, pois revela ao que sabe entender, ao menos, realidades preciosas acerca das civilizações e dos gênios que não souberam o bastante para compreender a si mesmos. A moral é apenas uma linguagem de signos, uma sintomatologia, é preciso saber de antemão do que se trata para se poder tirar partido dela (Crepúsculo dos ídolos, p. 69)"

Nietzsche conclui ainda que o erro da moral está em acreditar que seus princípios são absolutos e ideais. E que seus extremos estão nos ditos homens morais. Para mudar a moral é preciso mudar a maneira de julgar ("quem disse que o bem e o mal se medem a partir do homem?", pergunta-se), e também mudar o seu modo de sentir. Por isso, ele a rma que a moral, como instituição, surgiu para tirar o homem do estado de natureza, legalizar a vida em sociedade, perpetuar os costumes e dirigir as sociedades pelas gerações como sua cultura, mas falsa cultura porque foi construída por outros homens e não por divindade alguma.

A moral imortalizou a prática religiosa na vida cotidiana, impôs a noção de culpa (ao sujeito que a transgredia) e determinou as relações comerciais e afetivas entre os cidadãos por meio dos castigos: "[...] ca aqui o esquema a que eu mesmo cheguei, com fundamento em um material relativamente pequeno e contingente. Castigo como tornar-inofensivo, como impedimento de novo dano. Castigo como pagamento de dano a quem sofreu o dano, sob qualquer forma (também sob a forma de uma compensação afetiva). Castigo como forma de isolamento de uma perturbação do equilíbrio, para impedir a propagação da perturbação" (Genealogia da Moral, p. 318)

A partir daí, pode-se argumentar por que Nietzsche propõe a transvaloração dos valores, ou seja, a abolição da moral, o que acarreta, por conseguinte, a abolição de sua principal viga mestra, a religião que domina o Ocidente há mais de 2 mil anos, o cristianismo. Diferentemente de Marx, Nietzsche não pregava uma revolução para que isso acontecesse, o que ele almejava (como solução, se é que se pode usar essa palavra) é que cada um de seus leitores tomasse consciência desses argumentos e percebesse que ser cristão é entregar sua vida para uma fantasia (crença em "Deus") ou para a vontade da moral dos padres. En m, é mais uma proposta de cunho individual do que coletiva, pressupondo que seja possível cada homem e mulher no Ocidente se conscientizar dos equívocos de sua própria cultura.

REFERÊNCIAS

FEUERBACH, L. A essência do cristianismo.
Petrópolis: Vozes, 2007.
MARX, K.; ENGELS, F. Os Pensadores. São Paulo:
Abril, 1987. (Coleção Os Pensadores, diversas obras)
NIETZSCHE, Friedrich. O Anticristo. São Paulo: Martin Claret, 2000.
_____. Crepúsculo dos Ídolos. 4. ed. Rio de Janeiro: Ediouro, 1999.
_____. A Genealogia da Moral. In: Os Pensadores. V. XXXII. 1. ed. São Paulo: Abril Cultural, 1974
_____. Além do Bem e do Mal. 2. ed. Rio de Janeiro: Ediouro, 1982.
SCHOPENHAUER, Arthur. O mundo como vontade e como representação. São Paulo: Unesp, 2005.

* Gerson Nei Lemos Schulz é filósofo, professor na universidade do estado do Amapá (UEAP), doutorando em educação e mestre em educação pela universidade federal de pelotas-rs (UFPEL). Seu blog é www.filosofiadomarcozero.blogspot.com

SHOPENHAUER EM FOCO

Schopenhauer
A vontade é o elemento fundamental a fim de trazer o sentido das coisas e do mundo. É essa união entre o corpo e o sentimento, segundo o filósofo, que proporciona a essência metafísica elementar: a vontade da vida.
por Vilmar Debona*




Podemos dizer que o filósofo Arthur Schopenhauer, nascido em Dantzig (em 1788) e falecido em Frankfurt (em 1860), marcou a História da Filosofia no Ocidente, principalmente por ter valorizado um elemento novo nas discussões filosóficas: a noção de corpo. Nos tempos em que Schopenhauer viveu, as filosofias de Hegel e de Schelling predominavam e se apoiavam somente no aspecto racional do homem . Para Schopenhauer, em vez de a razão definir o homem e "decifrar o enigma do mundo", são o corpo e o sentimento, o que ele chama de vontade, que permitem alcançar e dizer o sentido das coisas. A vontade é o que há de mais essencial no mundo; ela se manifesta em toda a natureza e nos corpos animais, independentemente de serem eles possuidores ou não da faculdade de razão. Todos os corpos do mundo fenomênico são considerados, nessa filosofia, como concretização de um mesmo querer que nunca cessa. A objetivação da vontade não escolhe se vai se manifestar no homem mais inteligente ou numa pedra. Desse modo, em se tratando de espécies, a diferença entre os seres humanos e os demais animais é quase insignificante, visto que tanto o homem quanto o animal têm por base uma mesma essência metafísica, a vontade de vida.

Além disso, o que faz com que a atenção dada por Schopenhauer ao corpo seja vista como determinante é o papel indispensável que este elemento tem na teoria do conhecimento do pensador. Ele acredita que a base da formação do nosso conhecimento racional não é racional, já que começa com as sensações corporais. O que o filósofo chama de representações empíricas só existem porque, anteriormente, o corpo informou dados dos objetos e sensações abafadas ao entendimento que organiza as representações. Nesse contexto, é importante levar em conta que o entendimento também faz parte do corpo do sujeito, já que é entendido como um órgão físico ou o próprio cérebro. Assim, em vez da racionalidade, como se fosse uma rainha do mundo, definir sozinha o conhecimento, ela se torna dependente dos dados corporais; só a partir desses dados a razão pode fazer algo.

Resumidamente, segundo Schopenhauer, ocorre o seguinte: por meio das afecções do corpo, o indivíduo enraíza-se no mundo e passa a intuí-lo pelo entendimento, gerando, assim, o conhecimento. Com efeito, se o indivíduo é sujeito do conhecimento, ele é também corpo . Assim, inserida no campo da discussão da cognoscibilidade humana, a noção de corpo concebida pelo pensador apresenta-se como determinante. Não mais se corre o risco da admissão de uma "cabeça de anjo alada" designando a mente do homem totalmente alheia a seu corpo, algo possível quando se considera apenas o domínio da abstração sem uma base corpórea.

Nesse sentido, se a fim de sustentar a sua teoria do conhecimento, Descartes tomou o cogito como determinante, estabelecendo a dualidade corpo/alma e o primado da res pensante sobre a res extensa; Schopenhauer, em vez de delimitar corpo e alma, une corpo e intelecto. Tanto o corpo quanto o intelecto são expressões de um mesmo em-si, que, acima de tudo, expressam algo que o pensamento e os conceitos não alcançam, a própria vontade.

O ponto de partida do conhecimento
A questão pode ser mais bem detalhada quando consideramos que o corpo é tomado pelo filósofo sob duas perspectivas. Uma que o considera como objeto imediato e outra que o vê como objeto mediato. Nesse sentido, "o entendimento nunca seria usado, caso não houvesse algo a mais, de onde ele partisse. E este algo consiste tão-somente nas sensações dos sentidos, a consciência imediata das mudanças do corpo, em virtude da qual este é objeto imediato."


Além disso, Schopenhauer salienta a que o corpo é a representação que constitui para o sujeito o ponto de partida para o conhecimento. O corpo é, pois, objeto imediato na medida em que é um mero conjunto de sensações dos sentidos que advêm da ação dos outros corpos sobre si. Nesse primeiro aspecto, o corpo designa propriamente a vontade porque cada ato de vontade corresponde a um movimento corporal; e, então, ele passa a ser - além de condição de possibilidade do conhecer - a chave para se descobrir ou se decifrar o "enigma do mundo". Contudo, esse mesmo corpo pode fornecer dados dele mesmo, na medida, por exemplo, em que os olhos veem suas partes e as mãos o podem tocar. Assim é que o corpo passa a ser, tal como os outros, objeto mediato, portanto, conhecido como representação na intuição do entendimento. Para que esse conhecimento ocorra é necessária, através do uso da lei da causalidade, a ação de uma de suas partes sobre as outras.

O autor faz uma ressalva quando toma o corpo como objeto imediato. O corpo não se dá propriamente como objeto por um motivo claro: é que Schopenhauer não o considera de um ponto de vista unilateral, ou seja, tão somente do ponto de vista do mundo como representação, o que justificava designá-lo como objeto, mas, além disso, passa a considerá-lo também a partir do mundo como vontade. De fato, principalmente a partir do Livro II de O Mundo como Vontade e como Representação, ações do corpo e atos da vontade passam a se identificar e, em razão disso, o corpo é também visto como Objeto da Vontade (Objektität des Willens). Assim é que o objeto imediato passa a ser visto por si mesmo e, mais ainda, esse outro modo de conhecimento passa a se distinguir do que é comum à representação. Com isso, a certa altura já não se tem mais tão-somente "sensações dos sentidos", ou seja, um mero meio para algo outro, mas a realidade externa. Esse mesmo meio passa a se definir como objeto e a sua figura corporal começa a ser desenhada, estando ela dotada de especificidades.

Edifício das construções racionais

Assim, o corpo, além de revelar a Vontade e ser objeto imediato, torna-se mais um objeto passível de conhecimento. É então que seus próprios membros podem se conhecer; uma mão vista ou um olho tocado e, ambos, situados espacialmente, tornam-se objetos mediatos, muito embora sejam eles também, na medida em que a mão ajuda na construção de outros objetos e o olho vê, objetos imediatos. Vê-se, pois, o motivo pelo qual, caso não houvesse a atuação do entendimento - um membro corporal determinante para a construção do conhecimento - não haveria também um mundo externo. Uma sensação por si mesma seria uma "coisa pobre", mera afecção dos sentidos. Enquanto tal, essas sensações não poderiam conter nada de objetivo, portanto, nada que se assemelhasse a uma intuição.

Desse modo, a realidade exterior a cada sujeito do conhecimento é um produto do entendimento, esse artesão que se serve das formas do princípio de razão e dos dados possibilitados pelo corpo e, com isso, oferece as representações intuitivas que se entrelaçam, formando a exterioridade. Por isso, o mundo efetivo não é um dependente da razão. Ao contrário, em vez de a razão oferecer algo, é o entendimento que, com as suas intuições empíricas possibilitadas pelo corpo, apresentase como a base do edifício das construções racionais e do conhecimento humano.

Ora, se a tarefa por excelência da filosofia é acercar-se de conceitos e com eles dar sentido ao mundo, Schopenhauer acolhe e destaca o que em essência é o avesso da abstração conceitual. Com isso, o perigo iminente da dispersão abstracionista diminui, já que os conceitos têm uma referência in concreto na realidade exterior; o pensamento provém do não pensado e, portanto, não toma este último como algo que não mereça atenção. Eis, pois, um elogio significativo ao corpo no interior da filosofia e - por que não - uma filosofia fincada no corpo.

*Vilmar Debona é Mestre e Licenciado em Filosofia pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR) e Professor Analista de Conteúdos do Inteligência Educacional e Sistemas de Ensino (IESDE).

segunda-feira, 13 de junho de 2011

QUANDO A LITERATURA PÕE O PÉ NA ESTRADA

LITERATURA "ON THE ROAD"

O artigo abaixo foi escrito por Amália Pimenta, escritora de ficção e professora da rede particular de ensino de São Paulo, para a Revista Conhecimento Prático Literatura.

Jack Kerouac - As pegadas que sua estrada deixou na literatura
Em tempos de blogs, twitter e demais iniciativas relacionadas à internet, é muito difícil ouvirmos falar de uma carreira literária começando pelos antigos "meios comuns". por outro lado, carreiras continuam começando; seja por meio de editoras tradicionais, empreendimentos pessoais ou clubes de autores, a ambição de trespassar as fronteiras da internet e ser publicado em livro ainda permanece.

Ao acompanhar blogs de pretensos escritores é inevitável perceber que, dentre muitos, apenas alguns se destacam. No afã de chamar a atenção em um mar de outros escritores, bons ou ruins, grande parte dos autores parece acometida de uma necessidade de desconstruir a linguagem ou a própria literatura. Às vezes conseguem algo de qualidade; mais frequentemente, seus escritos soam como tentativas fracas de reinventar a roda.

O que falta a grande parte é um conhecimento maior da própria literatura. É difícil fazer algo que nunca foi feito sem conhecer o que já foi feito. Peguemos um exemplo comum:

Muitos autores iniciantes buscam uma narrativa rápida, natural, mais próxima da fala que da escrita formal. Montam seus personagens principais baseados (de propósito ou não) neles mesmos, em seus amigos e em seus heróis. Almejando o que se propõe uma narrativa urbana, próxima da própria realidade, buscam inspiração em suas próprias experiências, ainda que sem grande comprometimento com a verdade. Não percebem seus colegas fazendo o mesmo, não percebem que tudo isso já foi feito antes, muito antes dessa geração.

Um interessante livro de humor lançado recentemente nos Estados Unidos, chamado Twitterature, se ocupa em “recontar” livros clássicos como se fossem narrados em perfis do Twitter. Em duas ou três dúzias de frases rápidas e irreverentes, com menos de 140 caracteres cada, seguindo a regra e costume da rede social, recontam, com bom humor, romances como Orgulho e Preconceito e O Retrato de Dorian Gray. O curioso para nós é que o capítulo dedicado a recontar On the Road contém apenas a frase: “Para a versão twitter de On the Road, de Jack Kerouac, consulte On the Road, de Jack Kerouac”.

Jack Kerouac, muito antes desta geração que hoje vemos, passou pelas mesmas dúvidas e desejos. Ele não apenas sonhava em ser escritor, como conhecia os autores que vieram antes e os autores de sua própria época, sabia de suas próprias influências. E, principalmente, sabia qual era a história que queria contar, e ela não era sua própria história – ainda. Para se sentir apto a escrevê-la, decidiu vivê-la.

Comecei a aprender com ele, tanto quanto ele provavelmente aprendeu comigo. Quanto ao meu trabalho, ele dizia: — Vá em frente, pois tudo o que você faz é bom demais. — Enquanto eu redigia minhas histórias, ele observava por cima de meus ombros e berrava: — Uau, cara, tanta coisa a fazer, tanta coisa a escrever! Como ao menos começar a pôr tudo isso no papel, sem desvios repressivos, sem tantos grilos, essas inibições literárias e temores gramaticais?

É quase como se existissem duas versões de poeta americano Neal Cassady (1926 - 1968). A primeira é o homem real, a segunda é o fictício, tantas vezes descrito por Kerouac e outros escritores beat.

Dentre os que escreveram sobre ele, Alan Ginsnberg também o descreveu em Howl como “o herói secreto destes poemas”. Graças ao conteúdo polêmico de On the Road, sobre o seu “eu fictício”, que o “herói secreto” chamou a atenção da polícia e acabou preso por porte de droga; por outro lado, graças à atenção que On the Road recebeu, além de todo o assunto em torno da literatura beat, que a obra de Cassady foi lida e apreciada. Seu livro O primeiro terço pode ser encontrado em português, em versão de bolso da L&PM Pocket.

On the Road, de 1957, é um dos livros mais importantes da literatura norte-americana. Quase totalmente biográfico, a ponto de ser difícil apontar o que é ficção e o que é realidade, conta a história de Sal Paradise, o narrador, em suas viagens pelos Estados Unidos. Paradise é escritor e alter ego confesso de Jack Kerouac, o autor, assim como Dean Moriarty, companheiro de viagens de Paradise, é alter ego de Neal Cassady, companheiro de viagens de Kerouac na vida real. É muito possível que não haja um único personagem fictício em On the Road, ainda que todos os nomes o sejam.

Não há um enredo propriamente dito em On the Road. Há os personagens e há a viagem, tão fantásticos quanto críveis. Paradise e Moriarty viajam por anos pelas estradas americanas, de carona, sem nenhum destino. No caminho encontram todo tipo de gente, de drogas, de música, de aventuras e de sexo, mas também encontram de certa forma a própria espiritualidade e um reverente amor pelo planeta Terra. A prosa é ligeira e acessível, trazendo grande prazer à leitura. Em tudo isso, é um romance muito diferente do que se fazia na época e, especialmente, trazia em si mensagens muito diferentes das propagadas na época. Não há “valores americanos” ou o propagado “american way of life”. Em seus lugares se encontram o realismo e a falta de glamour – e o anseio de transmitir, em seus escritos, as experiências vividas durante as viagens.

On the Road viria influenciar novas gerações de escritores e até mesmo de músicos, cineastas e artistas plásticos, além de afetar profundamente o comportamento social dos jovens americanos. A geração que se tornava adulta nos anos 1960 optava por uma vida alternativa, não individualista, valorizando a contracultura, o amor livre, o sentimento de comunidade, a postura pacifista, a liberdade de ser e pensar, a não aceitação das diferenças raciais, a resistência contra o estado opressor, a rebeldia política e tudo mais que a marcou como tão diferente das gerações anteriores. No Brasil, Jack Kerouac e a ‘geração beat’ influenciaram, direta ou indiretamente, entre outros escritores (prosadores e poetas), Lindolf Bell, Jorge Mautner, Claudio Willer, Rodrigo de Haro, Paulo Leminski, Antonio Bivar e Roberto Piva.

On the Road viria influenciar novas gerações de escritores, músicos, cineastas e artistas plásticos, além de afetar profundamente o comportamento social dos jovens americanos.

Joual - Nome dado para o dialeto do francês falado no Canadá, especificamente na região de Montreal, inclusive considerado um dialeto social da classe trabalhadora daquela região. O dialeto, apesar de derivado do francês, possui diversas palavras “vindas” do inglês. Até hoje é falado na região; praticamente todos os adultos com origens na classe trabalhadora sabem pelo menos um pouco de joual. Kerouac escreveu algumas pequenas obras em joual, mas não dominava a língua com fluidez – cometia enganos, por exemplo, nas conjugações verbais.

Segundo o próprio Kerouac, On the Road era uma história sobre dois amigos católicos em uma viagem, acima de tudo espiritual, tentando encontrar Deus entre as estradas dos Estados Unidos. Talvez eles tenham encontrado, talvez não. Mas o leitor mais jovem encontra identificação com os próprios questionamentos, enquanto o leitor mais cuidadoso encontra os grilhões da gramática e da linguagem formal sendo elegantemente rompidos em nome de uma história a ser contada.

ANTES DA ESTRADA
Filho de pais franco-canadenses nativos de Quebec, Jean-Louis Kerouac nasceu em 12 de março de 1922 na cidade de Lowell, Massachusetts. Apesar de nascido nos Estados Unidos, só aprendeu a falar inglês fluente com cerca de 6 anos. O primeiro idioma que aprendeu foi o dialeto franco-canadense chamado joual, fato que mais tarde seria fundamental para sua escrita, influenciando ritmo e vocabulário. Mesmo adulto, ele continuaria falando apenas em joual com a mãe.

Dois outros fatores de sua infância seriam essenciais em suas obras. O primeiro foi a religiosidade; o garoto era bastante apegado à mãe, católica devota, e a fé dela o acompanharia para sempre. Uma das frases mais emblemáticas de Kerouac foi dita em meio ao furor em torno do que começava a ser chamado de ‘geração beat’, furor este acompanhado de questionamentos e cobranças: “Eu não sou um ‘beat’, mas sim um estranho e louco místico católico”. Com 6 anos de idade narrou ter ouvido a voz de Deus, que lhe dizia que passaria por muitos sofrimentos na vida, mas algum dia encontraria a salvação.

O que Kerouac entendia muito bem – e até hoje ensina para os dispostos a perceber – é que o bom uso da transgressão depende do conhecimento da regra.

Um místico, nas religiões e na filosofia, é alguém que experimenta uma comunhão perfeita com seu deus, seja um deus per se ou o espírito da natureza, cósmico, universo. Por alguns fantásticos momentos o místico “se perde” em deus, experimentando-se como parte de um todo muito maior. O místico cristão Angelus Silesios (1624-1677) assim definiu:
“A pequena gota se transforma em mar quando chega até ele, e assim a alma se transforma em Deus quando é nele acolhida.”

O segundo fator foi a morte de seu irmão, Gerard, de febre reumática. Em seu leito de morte Gerard, de apenas 9 anos, contava ter tido visões da Virgem Maria; freiras o cercavam, convencidas que o garoto era um santo. Mais tarde Kerouac contaria essa história no romance Visions of Gerard. O luto fez com que sua mãe se fechasse em sua fé, enquanto seu pai se perdia no álcool e no jogo.

Foi apenas graças ao seu talento para o futebol americano que Kerouac entrou para a universidade, por causa das bolsas oferecidas a atletas pelas universidades americanas. Na Universidade da Columbia escreveu artigos esportivos para o jornal produzido pelos estudantes, mas ainda calouro fraturou a tíbia em um jogo e acabou por sair tanto do time quanto da universidade.

Chegou a se alistar no Exército, mas por um tempo continuou morando em Nova York, onde conheceu as pessoas que mais tarde reencontraria em São Francisco e com as quais sempre seria associado: a geração beat, incluindo o poeta Allen Ginsberg, Neal Cassady, John Clellon Holmes, Herbert Huncke e o escritor William S. Burroughs.

A GERAÇÃO BEAT
(...) porque, para mim, pessoas mesmo são os loucos, os que estão loucos para viver, loucos para falar, loucos para serem salvos, que querem tudo ao mesmo tempo, aqueles que nunca bocejam e jamais dizem coisas comuns, mas queimam, queimam, queimam como fabulosos fogos de artifício, explodindo como constelações em cujo centro fervilhante — pop — pode-se ver um brilho azul e intenso até que todos ‘aaaaaaah!’
On the Road (Pé na Estrada), Jack Kerouac, tradução de Antonio Bivar


A Segunda Guerra Mundial havia encontrado seu fim não fazia muito tempo, suas sombras ainda pairando sobre as pessoas. Suas cicatrizes e consequências eram visíveis por todos os lados. Mas os jovens intelectuais já estavam encontrando seu próprio caminho, independentemente dos traumas do mundo, influenciados pelo Existencialismo (e, em parte, pelo Surrealismo) europeu.

O grupo que viria a ser o primeiro chamado de The Beat Generation chamou atenção por ser formado de escritores e demais pessoas da mídia. Seus escritos começavam a delinear um movimento literário inconformista e anárquico. E de repente parecia que aqueles jovens estavam por todos os cantos dos Estados Unidos, com seus experimentos com drogas e diversas expressões de sexualidade, seu interesse pelas religiões orientais e pelos indígenas americanos, seu exagero em toda forma de ser e expressar, sua tendência a cair na estrada na primeira oportunidade.

O nome do movimento foi dado por Kerouac para descrever os jovens inconformados que se encontravam no submundo de Nova York no final dos anos 40. Kerouac acabou por se tornar a figura-chave daquela geração, de certa forma seu porta-voz. Entre os mais conhecidos membros do movimento estavam Allen Ginsberg, William S. Burroughs, Lawrence Ferllinghetti, Gregory Corso e Neal Cassady. Juntamente com On the Road, as outras duas obras centrais do movimento beat são Howl, de Allen Ginsberg (1956) e Almoço Nu, de William S. Burroughs (1959). Howl é uma poesia forte, beirando o escandaloso, que demonstra grande domínio da linguagem. Almoço Nu conta a história de um ex-viciado em drogas que se vê envolvido com uma realidade absolutamente psicodélica.

A literatura que produziam era chocante a um ponto que, forçando ao máximo as leis americanas de censura então vigentes (os Estados Unidos ainda estavam sob as trevas do macartismo), acabaram por ajudar a derrubá-las. Outras consequências diretas ou não do seu aparecimento foram o fortalecimento do rock’n’roll e o início das discussões sobre ecologia, pacifismo e direitos dos gays, dos negros e das mulheres. A geração beat seria, mais tarde, uma das maiores influências dos hippies, grandes pregadores do pacifismo e da liberdade na América.

A ESCRITA E A ESTRADA
O que Kerouac entendia muito bem – e até hoje ensina para os dispostos a perceber – é que o bom uso da transgressão depende do conhecimento da regra. Não existe escrita coloquial que soe bem na ausência de conhecimento de gramática, assim como não adianta fazer um desenho torto sem conhecimento da técnica, e dizer que é o novo Picasso.

Kerouac lia muito; quando começou a escrever, escrevia muito. Não tinha em mente nenhum outro futuro que não fosse ser um escritor, e toda sua vida – mesmo toda a loucura inserida nela – foi como um ensaio para suas histórias. Escreveu dezenas de obras, entre romances, contos e poesias. Quando morreu, deixou um espólio de diversos trabalhos jamais publicados, incluindo o começo de uma versão em francês de On the Road.

Thomas Clayton Wolfe (1900–1938) é um dos mais importantes escritores da literatura americana; foi um notável novelista, que William Faulkner considerava o melhor escritor de sua geração. Suas obras publicadas entre os anos 1920 e 1930, com toques autobiográficos, refletem sobre a cultura americana e os costumes da época, filtrados por sua perspectiva sensível, sofisticada e hiperanalítica. A influência de Wolfe está presente em Jack Kerouac, Ray Bradbury e Philip Roth, entre outros autores.

A forma de Kerouac alcançar como gostaria Seu primeiro romance, Cidade pequena, cidade grande, possui o estilo de escrita mais convencional. A influência de Thomas Wolfe pesava sobre toda a obra e parte da busca de Kerouac por um estilo mais solto e coloquial vinha justamente de encontrar o próprio estilo, da tentativa de deixar a sombra do ídolo.

Procurando afastar-se dos gênios literários que admirava, Kerouac teve dois grandes escapes: a música e os amigos. Mais que em Thomas Wolfe, mais que em F. Scott Fitzgerald, era na música e nos amigos (na loucura de ambos, talvez) que Kerouac encontrava o tom exato, o ritmo exato que queria alcançar.

O jazz é um estilo musical bastante calcado em improvisações, especialmente a subdivisão dele chamada bebop. No bebop o mais importante é a improvisação, arranjos construídos intuitivamente, acordes puxando acordes para construir a música na hora. Era o estilo que mais fascinava Kerouac, justamente por não estar preso às convenções tradicionais e ainda assim possuir seu próprio ritmo, bem construído, apreciável, bonito.

Lançado no Brasil com o duvidoso nome de Mistérios e Paixões, o filme baseado em Almoço Nu faz jus ao livro. Dirigido pelo canadense David Cronenberg (Marcas da Violência) e estrelado por Peter Weller (Robocop), o filme segue a mesma história do homem viciado em inseticida. O filme chama a atenção não apenas por ser tão bizarro e fantástico quanto o livro, imergindo o espectador na loucura que o protagonista vive, mas também porque as criaturas fantásticas apresentadas são muito bem feitas e convincentes.


E havia os amigos. Com o tempo, mais e mais os beats se tornavam uma “turma”, mais e mais influenciavam uns aos outros. Não há como andar com gente como Fulano, Cicrano e o próprio Kerouac sem ser influenciado. E havia os “incidentes literários”, como a famosa carta sobre Joan Anderson, escrita por Neal Cassady. Ela contava uma das muitas noites impossíveis da vida de Cassady, quando teve que sair correndo, nu, da casa de uma namorada, fugindo de ser pego pelos pais dela. A narrativa absolutamente coloquial e completamente deliciosa prendeu a atenção de Kerouac, que encontrou ali o tom exato que queria para sua escrita, particularmente para On the Road. Uma história dividida entre amigos, contada com tranquilidade e humor, mas sem por um único segundo perder de vista seu poder literário.

Para Kerouac não bastava escrever, não bastava receber dinheiro para isso. Era necessário escrever sobre seu mundo e sobre o que sentia necessidade de escrever, tanto quanto era necessário construir com seus livros algo de real valor, algo que passasse pelo seu crivo extremamente exigente.

Costuma-se dizer que Kerouac escreveu On the Road em um fôlego, durante dias, jogou os manuscritos nas mãos de seu editor e voltou para a bebida. Não deixa de ser condizente com a propaganda do movimento beat, mas não corresponde à total verdade. On the Road foi cuidado, trabalhado e reescrito, além de ter sido rejeitado por diversas editoras. Por fim, referências explícitas a detalhes polêmicos, como o laço homossexual dos personagens Dean Moriarty e Carlo Marx (cujos correspondentes na vida real realmente se envolveram), foram deixados fora da versão final a pedido dos editores que aceitaram publicá-lo. Kerouac os acusou de quererem “uma estrada sem nenhuma das suas curvas”, mas cedeu. Era um preço a pagar, talvez pequeno perto da chance de escrever a história que queria e, na maior parte, sob seus próprios termos. E o livro foi um absoluto sucesso.

Em uma carta a Marlon Brando, em 1950, Jack Kerouac lhe disse para “rezar para que fosse feito um filme” de On the Road. Sam Riley (Control) irá representar Sal Paradise, Kristen Stewart (Twilight) será Marylou e Garrett Hedlund (Tron Legacy) vai viver Dean Moriarty.

Há diversas histórias diferentes sobre como e quando o cineasta Francis Ford Coppola comprou os direitos para filmar On the Road. As lendas divergem em larga escala de tempo, desde Coppola ter comprado ainda os anos 60 até já no final dos anos 80. Também se conta sobre Jean-Luc Godard demonstrando imenso interesse por dirigi-lo, pretendendo Dennis Hooper para protagonizá-lo. O que importa é que ninguém nunca havia conseguido dar impulso à empreitada. O livro era considerado “infilmável”: o que se fazer, no cinema, com uma história narrada em linguagem coloquial, em primeira pessoa, passada em velocidade alucinante e constantemente na estrada? De alguma forma ele descobriu como, e no momento em que este texto é escrito o filme está em pós-produção e se nada der errado o lançamento será ainda em 2011.


Dirigido pelo brasileiro Walter Salles, o filme é protagonizado por atores jovens (como os próprios personagens) e foi filmado em seis meses. As locações passaram por Montreal, Nova Orleans, San Francisco, Novo México e Argentina, uma proeza, em tão pouco tempo. Até onde se sabe, o roteiro não se furtou de nada; nem das polêmicas, nem da estrutura pouco convencional da história.

Depois de On the Road Kerouac continuou escrevendo, inclusive ensaios sobre escrever espontaneamente. Um deles foi intitulado Crença e Técnica para Prosa Moderna, uma lista de 30 conselhos “essenciais”. Em tradução livre, seguem alguns deles:

Rabisque anotações secretas e páginas datilografadas com selvageria, para sua própria diversão.
Esteja disposto a tudo, aberto, prestando atenção.
Seja apaixonado pela própria vida.
Escreva o que você profundamente desejar, do mais profundo de sua mente.
Remova inibições literárias, gramaticais e sintáticas.
Como Proust, seja um viciado no tempo.
Escreva em homenagem e admiração por si mesmo.
Aceite suas perdas.
Acredite na linha sagrada da vida .
Não tenha medo ou vergonha da dignidade da sua experiência, sua língua e seu conhecimento.
Redija de forma selvagem, indisciplinada, pura, que venha de dentro, quanto mais louca melhor.

Como sua obra, sua vida também foi vivida sob seus próprios termos, entre revelações religiosas e exageros profanos.

Também conhecido como haikai ou haiku, consiste em uma refinada forma de poesia curta japonesa, normalmente de temática voltada à natureza, como as estações do ano e as flores. Apesar da tradição japonesa, hai-cais são bastante populares no Brasil e sua estrutura fixa funciona muito bem na língua portuguesa. Dentre os praticantes (dos famosos como Millôr Fernandes aos anônimos internet afora) grande parte foge aos temas naturais tradicionais do hai-cai japonês, escrevendo sobre amor, solidão, política, infância, humor etc. Sempre de três linhas,o tradicional é que os hai-cais possuam dezessete sílabas poéticas, 5-7-5, mas muitos autores buscam outras possibilidades.

Seguindo os próprios conselhos, escreveu diversos romances, além de poesia (incluindo hai-cais), contos e de também ter gravado alguns discos com suas leituras. Dentre as obras disponíveis em português, além do próprio On the Road – Pé na Estrada e do já citado Cidade Pequena, Cidade Grande, estão Big Sur, a história da decadência física e mental de Jack Duluoz, alter ego de um Kerouac alquebrado pelo sucesso de On the Road; o belo Tristessa, escrito em indefectível prosa poética, sobre um poeta americano que se apaixona por uma prostituta mexicana; Os Subterrâneos, segundo alguns a obra mais marcantemente beat de Kerouac, sobre um homem que faz parte de um grupo de amigos que vivem de bar em bar e um amor partido pelo preconceito. Todos são bastante autobiográficos, como é a praxe do autor. Também são fáceis de achar em português as edições de Nuvens de Iowa, de poesias e hai-cais; Satori em Paris, Viajante Solitário e Anjos da Desolação, autobiográficos e totalmente não ficção; E Os Hipopótamos Foram Cozidos em seus Tanques, seu primeiro romance, escrito a quatro mãos com William S. Burroughs e baseado em um crime passional real: o assassinato de David Kammerer pelo adolescente Lucien Carr, ambos amigos de Burroughs e Kerouac

Como sua obra, sua vida também foi vivida sob seus próprios termos, entre revelações religiosas e exageros profanos. O excesso de drogas e álcool causou uma cirrose que o levou à morte, em outubro de 1969. Em março de 2011 Kerouac teria completado 90 anos.

Ninguém se torna um escritor da noite para o dia. Apenas depois de ter acumulado conhecimentos sobre literatura, sobre a estrada, sobre amizades e sobre a vida, Jack Kerouac desconstruiu todos eles para escrever sua obra-prima.

Nossa sofrida bagagem estava ali, amontoada mais uma vez na beira da calçada; tínhamos um percurso muito maior pela frente. Mas estava tudo bem, a estrada é a vida. On the Road (Pé na Estrada), Jack Kerouac, tradução de Antonio Biva.