terça-feira, 4 de outubro de 2011

DEUS E A INTERNET

CAIU NA REDE, É “DEUS”!

O mundo ocidental, dominado pela religião cristã*, se vangloria de sua cultura e seu modus vivendi, muito mais liberais e “justos”, socialmente falando, do que os dos povos islâmicos, por exemplo, mas, como boa parte do mundo, também não olha para seu próprio umbigo, com isso deixa de ver ou admitir as mazelas e absurdos que o cristianismo perpetua há séculos e a má influência que, nos últimos anos, vem exercendo principalmente sobre os jovens. Nem os escândalos envolvendo padres pedófilos nem as contínuas denúncias de fraudes financeiras contra pastores das igrejas evangélicas põem freio à escalada vertiginosa do cristianismo, aqui no Brasil, além de em outros lugares, é claro, que conquista a cada dia jovens com seus movimentos de renovação (catolicismo) e com seus mega-cultos (evangelismo), tendo agora como poderosa aliada a ultra-famosa e utilizada WWW.
O poderio da Igreja de Roma, herdado desde o apogeu do Império Romano e alavancado com o ouro e as terras, facilmente adquiridos através de sua aliança com imperadores e reis, fez do cristianismo uma “entidade espiritual” frondosa, suficientemente capaz de defender seus interesses, desarticular seus opositores e propagandear sua prática como uma necessidade na formação do caráter do homem, um elemento sem o qual, dizem seus mais fervorosos praticantes, não haveria moralidade sobre a Terra e que é imprescindível à salvação.
Se tudo isso fosse verdade, mas não é!, todas as outras religiões do mundo (e não são poucas) não teriam qualquer valor, uma vez que seus fiéis não adoram “o Deus cristão” (a saber: o Pai de Jesus Cristo, seu único filho, e dos quais somos meras criaturas, até que aceitemos “de coração” que este morreu na cruz por nossos pecados e que somente o seu sangue poderá nos redimir diante do Criador).
Assim como o cristianismo tem seu líder maior, o Papa, e toda uma hierarquia de sacerdotes (homens que se ocupam em levar ao povo os ensinamentos e a filosofia de sua doutrina religiosa), as outras religiões institucionais, como o judaísmo, o islamismo, o budismo e o hinduísmo, também os têm; assim como o cristianismo tem suas dissidências e seus sincretismos, as outras, também. Esse quadro, ou seja, essa diversificação ou “degeneração” do caráter originário de um credo muitas vezes só é percebido em seus elementos superficiais, quase nunca em sua estrutura ou base. Pouca gente, sobretudo os novos convertidos, sabem ou, ao menos, se interessam em saber, se há alguma real diferença entre o catolicismo que praticavam e o neopentecostismo que acabaram de adotaram.
Um jovem indiano da década de 1940, que provavelmente viveu e foi envolvido pela campanha de libertação da Índia do domínio britânico, capitaneada por Mahatma Gandhi, deve ter se orgulhado de ter um líder politicorreligioso hindu daquela estirpe e se mantido fervoroso em sua fé, orando a Vishnu, Brahma ou Krishna (nomes com os quais relacionam Deus), para que “os invasores” saíssem do seu país, talvez sem considerar (ou mesmo saber) que os ingleses eram cristãos, e que, portanto, deveriam ser considerados “infiéis” ou “hereges” (já que não professavam a mesma fé que a sua). Evidentemente, entretanto, outras pessoas daquele tempo, sabendo bem a força que a religião exerce sobre as massas, usou da figura de Gandhi para fomentar o ódio pelos ingleses (um sentimento que potencializaria exponencialmente qualquer reação política em favor de uma causa considerada legítima e justa). Só para registro, existem hindus há pelo menos 4 mil anos e hoje são cerca de 750 milhões no mundo inteiro.
O mundo assistiu estarrecido, no fatídico 11 de setembro 2001, aviões da própria linha comercial americana, que haviam sido seqüestrados por radicais islâmicos, serem atirados contra as Torres Gêmeas do World Trade Center. Segundo se sabe, através de um plano “diabolicamente” traçado pelo líder terrorista, Bin Laden, os E.U.A deveriam conhecer e reconhecer a força do Islã (ou melhor, “O Poder de Alá”), pagando por sua prepotência política e por seu combate aos povos islâmicos com a morte de centenas de americanos de uma forma cruel e inesquecível. O kamikase islâmico, seja o soturno homem-bomba, seja o estratégico piloto-sequestrador, é considerados um homem abençoado, digno de honras e louvores, tanto na Terra quanto no Céu. O mundo ocidental cristão, representado fortemente pelo povo americano, é visto por cerca de 1,3 bilhão de muçulmanos do mundo inteiro como “o grande inimigo”.
Quando os jovens estudantes brasileiros lêem em seus livros de História que, ao atracarem na costa daquela região continental, mais tarde denominada de “Brasil”, os portugueses encontraram “seres semi-nus”, aos quais deram o nome de “índios” (por erroneamente acharem que tinham chegado “às Índias”) e, imediatamente, tratarem de celebrar uma missa (ritual da Igreja cristã) para, junto com o poder politicoarmamentista português, também aqui instaurar seu poder religioso, esse fato histórico nada diz a seu coração religioso (menos ainda às suas mentes). Quando, através das mesmas leituras, esses jovens ficam sabendo dos métodos empregados pelos jesuítas para transformar, a qualquer custo, “aqueles selvagens” em “povo de Deus”, isto é, para que deixassem sua religião natural e primitiva e aceitassem a “única fé verdadeira”, a fé cristã – também, conhecer esse fato não comove nenhum pouco os corações desses estudantes (quem dirá às suas mentes!).
A maioria das pessoas talvez jamais parou um único momento sequer de sua vida para refletir sobre sua “herança religiosa”. Por que sou cristão? católico? hindu? muçulmano? Se as pessoas o fizessem, teriam muito sobre o que pensar – e é exatamente por isso que não o fazem! Preferem o comodismo de aceitar o que já foi aceito, por seu pais, parentes, amigos ou vizinhos; acomodam-se à mesma religião dos seus pais; concluem, sem refletir, que sua prática religiosa é “a prática universal”. Mas estão enganadas!
Uma parcela significante de jovens brasileiros, ao longo das últimas décadas, vem sendo conquistada pelos cultos extravagantes de pastores das novíssimas igrejas neopentecostais, que brotam deste “solo da mãe gentil”, tal qual o capim nasce no chão de qualquer lugar. Com isso, esses jovens imaginam que estão “mais perto de Deus” (apesar de parecerem muito longe, pois eles só oram gritando, a exemplo de seus pastores, que só sabem pregar “berrando”). O culto-show torna o espetáculo religioso atrativo para um sem-número de adolescentes e jovens que não sabem ler nem seus livros de História, falar ou escrever razoavelmente sua língua, mas acreditam que, carregando suas Bíblias debaixo do braço e se congregando várias vezes por semana, estão agradando àquele que eles acreditam ser “o Deus único”, a despeito da fé diferente de milhões de outras pessoas, mundo afora.
As redes sociais estão pululando de jovens ávidos por escrever e deixar registrado o que pensam, não só para seus amigos íntimos reais, mas também para os novos amigos virtuais. Ali, é muito comum encontrarmos postagens nas quais evidenciam-se as tendências ou práticas religiosas desses jovens. A palavra “Deus” está na rede em um sem-número de publicações, usada desde o seu sentido cultural (“ah, meu Deus, que droga!), até às mais contundentes expressões de louvor (“Seja forte, minha amiga, o nosso Deus te fará vitoriosa!”). “O que há de mal nisso?” é o que muitos perguntarão.
Quem assim perguntar certamente é uma daquelas pessoas já citadas aqui, linhas acima. Daquelas que professam uma fé, acomodadas e convictas que é “a fé verdadeira”, desconsiderando assim todos os outros tipos de fé e de fiéis. No entanto, além desse drástico e rústico pensamento, essas pessoas ainda deixam de perceber que são promotoras, juntamente com milhões de outras, da “banalização de Deus”. Elas convivem com esse “fenômeno degenerativo” do ser supostamente absoluto, empregando nomes “bonitos”, que nada têm a ver com ele – “pregação”, “louvor” e “testemunho”.
“Deus”, portanto, caiu na rede, foi apanhado maliciosamente pelos “tentáculos da Internet” e, se depender de pessoas religiosas como essas (que usam a todo momento “Deus” quase como “senha” para o Facebook, o Twitter e seus e-mails) e de pastores, que não querem apenas “berrar” nas ruas e dentro de suas igrejas, mas também abocanhar rebanhos Web afora; se depender desses aí, Deus logo perceberá que fez uma bobagem ao enviar seu Filho Jesus para ser morto tão cruelmente para nos salvar de nosso próprios pecados. Se tivesse esperado só uns dois mil anos (que para “Ele”, que tem a eternidade, não significam nada), salvaria a todos através de um link direto para o céu. O slongan poderia ser este: “Linkou, salvou!”. O diabo é se “o Diabo” tiver caído na rede primeiro. Aí... é melhor deletar tudo...


*O cristianismo continua a reunir a maioria dos fiéis de todo o mundo, constituindo cerca de um terço da humanidade. Os restantes 67% dividem-se entre religiões não cristãs, dentre as quais as mais importantes são o islamismo, o budismo e o hinduísmo. Mais de 28% dos cristãos concentram-se na Europa, enquanto outros 24% estão na América Latina. Só o número de Católicos ultrapassa, em 1999, a marca de 1 bilhão de adeptos, ficando em 17,5% da população do planeta, segundo aEnciclopédia Britânica. No decorrer da década de 90, os protestantes aumentam o número de adeptos em 120%. O islamismo avança nos países onde essa religião já é predominante: o crescimento é de 157% nos anos 90. As religiões orientais, como o budismo, o zen-budismo e o hinduísmo, no ocidente, passam, no final do século XX, por um período de crescimento.
Fonte: almanaque abril 2001 - religião - página 60.

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