quarta-feira, 5 de outubro de 2011

MINHA MONOGRAFIA (Parte VI)

Dando continuidade à Minha Monografia, agora veremos como tratei a transformação que ocorreu na noção de Deus, do Velho para o Novo Testamento, e como Nietzsche analisa essa "degenerescência" do Todo-Poderoso do cristianismo.

O DEUS DOS CRISTÃOS


Aqui, tentaremos deixar claro como o povo hebreu manipulou a noção de seu próprio Deus, para se adequar, adaptar-se historicamente.
No Antigo Testamento, Deus se apresenta a Moisés da seguinte forma:

“EU SOU AQUELE QUE SOU”, “assim falarás aos israelitas: é Javé, o Deus de vossos pais, o Deus de Abraão, o Deus de Isaac e o Deus de Jacó, que me envia junto de vós. – Este é o meu nome para sempre, e é assim que me chamarão de geração em geração”
(EXÔDO, 3:14;15)

A palavra Javé, originalmente quer dizer “Ele é” (Iahweh), ou ainda pode se chamar Jeová, como é comum entre os “Testemunhas de Jeová”, que se baseiam, ao contrário das seitas cristãs neo-pentecostais, no Primeiro Testamento.
Javé é senhor, pastor e guerreiro, note-se, não de toda a humanidade, mas somente do povo eleito por ele, ao qual concede sua graça, sua bênção e paciência, pois esse mesmo povo, os hebreus, se demonstraram a gente mais infiel, descrente e traidora de toda a humanidade, fazendo com que Javé ora se regozige, ora se arrependa de tê-los como protegidos.
“Bendito seja meu povo do Egito, a Assíria, obra de minhas mãos, e Israel, minha herança!” (Is. 19, 24), e mais adiante: “Este povo vem a mim apenas com palavras e me honra só com os lábios, enquanto seu coração está longe de mim (...)” (Is. 29:13)
Esse dilema de “paixão e arrependimento” é uma constante em Jeová.
A despeito de todos os esforços e todos os “milagres” produzidos por Deus, pessoalmente ou através de seus profetas, como Abraão e Moisés, o povo em geral perdia a fé e caia na idolatria barata. Nietzsche a esse respeito tem um comentário bastante pertinente e ilustrativo:
“Para com o seu Deus é que as pessoas são mais desonestas, já que ele não tem o direito de pecar!” (Nietzsche. 2002, p. 88).
Por entre martírios e glórias, Javé conduziu seu povo – exigiu adoração, sacrifício e, ao mesmo tempo, concedeu favores e fez promessas futuras. No entanto, com o decorrer dos anos, segundo Nietzsche, o velho Javé ficou caduco, desmoralizado e enfraquecido:

“O seu Yahweh era expressão do seu sentimento de poder, do prazer e da esperança em si próprio: dele se esperam a vitória e a salvação, com ele se confiava na natureza e em que ela daria o que é necessário ao povo – principalmente a chuva”.
(NIETZSCHE, 2000, p. 59).

A análise psicológica de Nietzsche ainda nos esclarecerá sobre como o povo hebreu, em determinada época, chegou a se sentir.

“(...) mostra-se agradecido pelos grandes destinos que o elevaram à dominação, sente gratidão pela regularidade do ciclo das estações e por qualquer êxito na criação dos animais e na agricultura. Este estado de coisas foi durante muito tempo considerado ideal e era-o ainda quando foi abolido da forma mais aflitiva: no interior, a anarquia, e no exterior, os assírios (...). Mas toda a esperança foi em vão. O deus antigo nada mais podia fazer do que o fizera em outros tempos. Deviam tê-lo deixado sucumbir. Em vez disso, que aconteceu? Modificaram a noção que dele tinham – deformaram essa noção: e por esse preço o conservaram. Yahweh, o deus da “justiça”, já não mantém a sua unidade com Israel, já não é a expressão do orgulho de um povo: não passa agora de um deus condicionado(...)”
(NIETZSCHE, 2000, p. 59).

Essa análise histórico-psicológica é fundamental para que se compreenda o teor da crítica feita pelo filósofo ao cristianismo. Tenta-se, a todo custo, amarrar o Velho Testamento ao Novo, mas essa teimosia, é tentativa inequívoca de dar sobrevida ao moribundo.
Também é interessante reportarmo-nos à história de Jó – servo fiel do Senhor. Vítima da disputa entre Deus e o diabo, vê sua vida arrasada de uma hora para outra, e a certo ponto do desespero sentencia: “em lugar de me condenar direi a Deus, mostra-me porque razão me tratas assim. Encontras prazer em oprimir, em renegar a obra de tuas mãos, em favorecer os planos dos maus?”
Com o advento do Cristo, Javé passa a ser o “Pai que está nos céus”. A lei mosaica de “olho por olho, dente por dente”, como por milagre, se transforma em “dar a outra face”. O discurso de Jesus vai em direção aos sofredores, aos fracos, aos enfermos. O Deus de quem ele fala é manso e misericordioso, tem muitas moradas e já não tem eleitos.
“Tendes ouvido o que foi dito: olho por olho, dente por dente. Eu, porém, vos digo: não resistais ao mal. Se alguém te ferir a face direita, oferece-lhe também a outra” (Mat. 5, 38).
Perguntamos: se Jeová é um ser metafísico, a-histórico, absoluto, por que essa adequação aos novos tempos? Não seria mais provável e mais natural considerarmos que não é o Deus todo-poderoso que sofre essa adequação e sim seu povo eleito, os hebreus, que trata inteligentemente de se adequar ao sentido histórico de sua trajetória, ou seja, à realidade em que ora vivia? As palavras do Nazareno talvez sejam mais convincentes: “Não vim chamar à conversão os justos, mas sim os pecadores” (Luc. 5,32).
Nada havia de novo em relação ao povo hebreu, mas agora o Cristo busca os perdidos, outros povos, como se o povo eleito já estivesse redimido.
Para os cristãos, o Cristo veio para que se cumprisse a lei dos profetas do Antigo Testamento, Nietzsche, no entanto, considera que, por uma necessidade histórica, já não era mais possível ao povo eleito sustentar a mesma noção que antes tinha de seu Deus.

“Sem dúvida, quando um povo perece; quando sente desaparecer para sempre a sua fé no futuro, a sua esperança na liberdade; quando a submissão lhe parece ser necessária; quando as virtudes dos servos entram na sua consciência, então é preciso também que o seu Deus se transforme. Torna-se hipócrita, medroso, humilde; aconselha a “paz de alma”, a ausência do ódio, o respeito, até o “amor” tanto para com os amigos como para com os inimigos (...). Em outros tempos, Ele representava um povo, a força de um povo, tudo o que na alma de um povo existe de agressivo e sedento de poder; a partir de agora Ele nada mais será que o bom Deus ...”

(NIETZSCHE, 2000, p. 50).

Para Nietzsche, portanto, o Deus dos cristãos, dos hebreus, não passa de uma adequação histórica, exigida pela evolução natural e resultado da percepção das necessidades do seu tempo. Antes, o implacável e vingativo Javé, agora, o manso e compassivo pai que está nos céus.

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