domingo, 24 de julho de 2011

FILOSOFIA ATIVA

ENTREVISTA COM O FILÓSOFO DENIS IZRRER ROSENFIELD

Uma das vozes mais potentes em defesa da liberdade individual, o filósofo diz que a intromissão do governo na vida privada é uma afronta aos brasileiros e uma ameaça à democracia.

Poucos intelectuais brasileiros se dedicam com tanto afinco à defesa da liberdade individual quanto o filósofo gaúcho Denis Izrrer Rosentield. de 60 anos. Também se contam nos dedos os que conseguem reverberar suas ideias de forma tão contundente.
Professor da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, com doutorado pela Universidade de Paris, e autor de quinze livros, Rosenfield alcançou o grande público com suas colunas quinzenais nos jornais O Globo e O Estado de S. Paulo, nas quais mantém feroz vigilância sobre os impulsos autoritários do governo.
Nos últimos tempos, o filósofo direcionou sua verve ácida contra a interferência cada vez mais frequente do estado na vida pessoal dos cidadãos por meio de decisões de órgãos governamentais como a recente tentativa da Anvisa de proibir a venda de remédios para emagrecer. “Essas medidas arbitrárias mostram como o PT, apesar de estar amadurecendo como partido, ainda atrai esquizofrênicos com mentalidade retrógrada e perigosa para a sociedade” diz. De Porto Alegre, ele concedeu a seguinte entrevista a VEJA.

Nenhuma pessoa pode ser forçada a ser rica ou saudável contra a própria vontade. Se alguém decide fumar ou beber, isso é um problema dessa pessoa, não do estado Por que o senhor considera o excesso de atos regulatórios por parte do governo uma afronta ao cidadão e ao país?

Por duas razões. Primeiro, porque atos desse tipo maculam a essência do indivíduo. Considero uma agressão abster uma pessoa de seu livre-arbítrio, de sua capacidade de decisão, de sua individualidade, seja no que diz respeito ao uso de medicamentos, ao fumo ou ao consumo de comidas gordurosas. Essa decisão pertence à subjetividade, à alma de cada um. O filósofo inglês John Locke, no século XVII, já dizia que nenhuma pessoa pode ser forçada a ser rica ou saudável contra a sua vontade. Os homens devem ser entregues à própria consciência. Segundo, porque, ao tentar disciplinar a vida dos cidadãos, o governo começa a impor a sua noção de bem. Se alguém decide fumar ou beber, isso é um problema exclusivamente dessa pessoa, não é um problema do estado. Quando o estado se apodera do monopólio da virtude, inicia um flerte inadmissível com.o autoritarismo, danoso para qualquer sociedade .

Muitos brasileiros aprovam medidas governamentais como a restrição ao fumo em locais fechados. A que se deve isso?

Acredito que os brasileiros têm muito pouca consciência sobre o que está acontecendo. Vistos de forma isolada, os atos regulatórios parecem inofensivos. Quem não fuma agradece a resolução que proíbe totalmente o cigarro em locais fechados, pois se livra da fumaça incomoda da mesa vizinha num restaurante. O problema é que, por trás dessa onda politicamente correta, há uma intenção velada de impor um padrão de conduta às pessoas.
No ano passado houve dezenas de resoluções da Anvisa com o espírito de faça isso, não faça aquilo. Esse órgão se tornou o caso exemplar nesse aspecto. Ele se autoconsagrou grande tutor do cidadão brasileiro, aquele que sabe tudo e a quem devemos obediência cega. A intromissão da Anvisa na vida dos brasileiros é coisa de esquizofrênicos.

O que o senhor quer dizer com esquizofrênicos?

Boa parte da administração petista está impregnada de ranço ideológico ultrapassado, mas nenhum órgão do governo se iguala àAnvisa. Posso dizer com quase absoluta certeza que seus funcionários vão muito além do que o partido e o governo querem no que diz respeito às liberdades individuais. Na verdade, a Anvisa é o exemplo máximo do que o PT atrai de pior: gente com mentalidade do século passado. O PT caminha para se firmar como um partido social-democrata. Aos poucos está abandonando as ideias de revolução. Arrisco dizer que o PT está amadurecendo, mas tem vergonha de virar gente grande e abandonar os rompantes adolescentes. Isso causa a esquizofrenia que há no partido e nos órgãos estatais.

A intromissão do estado se dá apenas na área da saúde?

De jeito nenhum. Nos últimos anos, o governo se intrometeu em quase tudo. Recentemente, quis policiar um pretenso consumismo infantil e chegou ao cúmulo de discutir a tal Lei da Palmada. que pretende disciplinar a relação entre pais e filhos. Trata-se de uma intromissão descarada na vida familiar É o que chamo de sequestro das liberdades. Quem ainda não condena o governo por todo esse excesso de regulamentações, decretos, normas e leis que dizem respeito à vida de cada um não percebeu que sua liberdade de escolha está ameaçada.

Como se identifica essa ameaça?

Um critério para medir o grau de liberdade de uma sociedade é o exercício da liberdade de escolha pelos seus cidadãos. Nas sociedades desenvolvidas economicamente e onde existe justiça social, há o que chamo de consolidação das liberdades: liberdade de ir e vir, de pensamento e expressão, de imprensa e religiosa. Essas sociedades foram erguidas e mantidas a partir dos direitos de propriedade, dos direitos individuais e do livre-arbítrio. Todas as sociedades que desrespeitaram as liberdades resultaram nas democracias totalitárias, nas quais as leis aprovadas pelos representantes do povo pesam menos do que as decisões do Executivo. Na Venezuela, Hugo Chávez só legisla por decretos. Ali é uma democracia? A única liberdade que o povo tem é o direito ao voto. Mas só o voto não garante uma democracia.

Ainda estamos longe de virar uma, Venezuela…

Sim, o Brasil ainda está longe de ser uma Venezuela ou uma Bolívia. Há muita arbitrariedade por trás desse manto de moralização, mas o Legislativo e o Judiciário continuam a exercer suas funções. E preciso, no entanto, perceber que o processo regulatório em curso no Brasil já atinge vários setores da administração. Na imensa maioria dos casos, a legislação que cerceia a liberdade de escolha do cidadão não passa pelo legislador eleito pelo povo. Nossos deputados e senadores estão sendo, aos poucos, usurpados de sua função de legislar. Eles estão se tornando servos de uma legislação administrativa, criada por órgãos estatais e não via projeto de lei. Também 0 preciso prestar atenção às afrontas cada vez mais recorrentes à liberdade de imprensa. A Anvisa tentou proibir a publicidade de cigarro, de bebida e de alimentos. Parece inofensivo, mas sem publicidade a imprensa se torna dependente do governo, o que compromete a liberdade de expressão. Isso sem falar no direito de propriedade, cada vez mais fragilizado.

O senhor está se referindo às desapropriações relacionadas com os sem-terra?

A esse e a outros disparates. No Brasil existe uma violação sistemática ao direito de propriedade. O direito de propriedade é o fundamento de toda sociedade civilizada, a garantia dos contatos sociais e a base da liberdade individual. Mas no Brasil o direito à propriedade é relativizado pela função social, pela função indígena, pela função racial e pela função ambiental da terra. O que acontece é um descalabro. Um exemplo trágico é a proliferação dos tais quilombolas pelo país. Isso não tem mais limite. Por um decreto de 2003, basta uma pessoa se declarar negra e se autoatribuir uma terra para conseguir a desapropriação da área. Até uma escola de samba pode se denominar quilombola e a ganhar o direito sobre uma propriedade, não importa se ela está localizada no interior da Bahia ou na Lagoa Rodrigo de Freitas, no Rio de Janeiro. A palavra quilombo ganhou outro significado com o único intuito de tirar a terra de seu dono para atender aos interesses de movimentos sociais esquerdistas. Houve o uso político da palavra.

Existe um ponto de equilíbrio, uma medida para delimitar a intervenção do estado na vida do cidadão?

Imagine que estamos dentro de um jogo. Cabe ao governo respeitar as regras, sem inventar novas condições à medida que o jogo avança. O estado deve preservar as regras e deixar as pessoas jogarem. Deve agir como um juiz. Não cabe ao estado tirar de uns para dar aos outros, por exemplo. A desigualdade faz parte do processo de organização social. O estado deve dar as mesmas condições para todos sobressaírem e, assim, conquistarem o seu espaço.

Qual o limite de estado no que diz respeito às leis?

O estado deve zelar para que as leis obedeçam a critérios de universalidade e não desrespeitem os direitos individuais. Leis justas são as que não estão restritas a costumes locais nem privilegiam determinados grupos. Há uma diferença entre eticidade e moralidade que deve ser levada em conta em toda essa discussão. A moralidade é do domínio da liberdade subjetiva, da consciência do indivíduo. Do ponto de vista moral, é quase impossível duas pessoas dividirem a mesma opinião sobre o que consideram “bem” ou “mal” para si mesmas. O fator ótico é a liberdade dos indivíduos concretizada por meio das instituições. A legislação deve se embasar no conceito de ético, no que é universalmente aceito como bem ou mal.

Em seu último livro, o senhor escreve que a crise econômica dos últimos anos teve repercussões ideológicas. Quais são elas?

Alguns setores atrasados da sociedade brasileira interpretaram a crise econômica como o fim do capitalismo. Trata-se de uma conclusão equivocada. As crises do capitalismo fazem parte de seu processo de renovação, são periódicas. Essa interpretação abriu espaço para vozes discordantes de uma economia de mercado e do direito de propriedade. Chegamos ao cúmulo de escutar críticas que propunham uma separação entre capitalismo e democracia. Para quem não sabe, a democracia moderna é um regime político que envolve relações sociais e econômicas baseadas no direito de propriedade. A liberdade de escolha não se resume ao processo de eleger um presidente. Também se refere à escolha de bens materiais, de consumo, de compra e venda de um imóvel, incluindo o livre exercício de pensamento. Não se podem dissociar o capitalismo, a propriedade, a livre escolha e o estado democrático. É impossível achar na história uma sociedade livre que tenha sobrevivido à abolição do direito de propriedade. O direito de propriedade é um poderoso estímulo à coesão social e não pode ser relativizado.

Como o direito de propriedade estimula a coesão social?

Se mais de 60% de uma população é dona de seus imóveis, essas pessoas podem se unir com força contra qualquer ameaça à propriedade. Se menos de 30% forem proprietários, abre-se espaço para a aplicação de ideologias que comprometem esse direito.

O excesso regulatório no Brasil é resultante de um processo histórico e cultural ou está relacionado ao governo petista?

O lado cultural é muito forte. No Brasil, sempre houve uma pressão da população para que o governo equacione problemas que não são estatais. Muitas medidas do governo Lula já eram adotadas pelo seu antecessor. O que Lula fez foi radicalizar processos já existentes no governo de Fernando Henrique Cardoso, que também era simpático aos movimentos sociais. Em seu segundo mandato, Lula se excedeu. O presidente deu muito poder a esses movimentos e limitou cada vez mais os direitos de propriedade. Foi exorbitante. Lula abriu a porteira. O mesmo aconteceu com relação à imprensa. No governo anterior, as tentativas de cercear a liberdade de expressão ultrapassaram o limite do aceitável.

O senhor diz que a situação é preocupante, mas dificilmente o Brasil vai se tornar uma Venezuela. Por quê?

No Brasil, o processo notório de enfraquecimento do direito de propriedade por meio da desapropriação de terras está sendo combatido por uma reação da sociedade contra os movimentos de orientação esquerdista, como o MST e a Comissão Pastoral da Terra. A sociedade brasileira é muito complexa, e parte dela, uma minoria, ainda, está se insurgindo contra isso. O Judiciário tem sido acionado e os meios de comunicação vem se manifestando com veemência contra muitas arbitrariedades. Esse é o primeiro motivo. O segundo diz respeito ao estágio de desenvolvimento do país.

O senhor foi de esquerda e trabalhou para o PT. Como se define hoje politicamente?

Sou liberal, mas aceito práticas da social-democracia em situações de miséria extrema. Tanto é que sou a favor do programa Bolsa Família, desde que se crie igualdade de oportunidades para que todos os brasileiros possam prover seu próprio sustento. Não vejo problema nenhum em ser chamado de direitista. Se direita no Brasil significa a defesa da liberdade pessoal, do estado e do direito de propriedade, sou de direita, sim, com muito orgulho.

10/05/2011
Fonte: revista “Veja”

quinta-feira, 21 de julho de 2011

CONTRATE UM REVISOR DE TEXTO

A IMPORTÂNCIA DO REVISOR DE TEXTOS*

Muitas pessoas gostariam de saber quem é o revisor de textos, que formação ele tem e quanto custa o trabalho dele. Normalmente, as pessoas têm a noção de revisor de textos ligada ao ofício de professor de português, já que quase todos tivemos nesses mestres os primeiros críticos e orientadores de nossa redação. Muitos revisores foram ou são mesmo professores e tiveram a formação tradicional de Letras, o que é apenas um dos muitos caminhos para se chegar ao ofício de revisor. Mais antigamente, quando havia revisores nas redações de jornais e tipografias, o ofício era exercido por estudantes de Direito, de Filosofia, e de diversos outros ramos que, bem treinados nos estudos clássicos, tinham a habilidade para reduzir os erros tipográficos que eram comuns àquelas atividades, com as limitações técnicas daquela época. Hoje há revisores advindos das mais diversas formações; ainda predominam os bacharéis e licenciados em Letras, mas agora com muitos jornalistas e publicitários concorrendo com eles, além de grande número de pessoas de outras áreas que aportam no ofício.
Boa parte dos revisores mais experientes é de profissionais que acumularam a erudição necessária e a conjugaram com o conhecimento linguístico imprescindível, aprimorando gramática, sintaxe, semântica, bem como a competência retórica, por esforço próprio.
A profissão de revisor de textos está se especializando muito atualmente. Hoje pensamos o texto como suporte da informação entre autor e leitor, como uma mídia ou um elemento da multimídia portador de mensagem genérica ou específica destinada a um público amplo ou restrito, e a função do revisor é aperfeiçoar esse instrumento. O revisor de textos é o profissional que aperfeiçoa, melhora, enriquece o texto em sua função comunicacional.
Assim, há revisores especializados em tão diversos tipos de textos quantos eles existem. Só para citar alguns, pensem em textos jornalísticos, científicos ou literários. Então há revisores jornalistas, cientistas e literatos – e assim por diante. Há muitos tipos de revisores e suas formações de origem são igualmente diversificadas, havendo em comum muito livro, muita escrita e alguma erudição acumulada.
Não se improvisa um revisor, seu trabalho não pode ser substituído pelo favor de algum parente ou conhecido que tenha domínio pleno da língua, um professor de português, por exemplo. O domínio da gramática e os outros atributos linguísticos necessários são bem disseminados, mas a habilidade específica e o pleno controle do registro formal acadêmico nem sempre são encontrados nas pessoas. Não se trata apenas de o texto estar certo, mas de melhorá-lo e adequá-lo plenamente ao fim a que se destina.
Portanto, antes de pensar em quanto custa a revisão de textos, é o caso de pensar no custo de formação de um revisor, no custo da disponibilidade dele para quando for necessário, no custo dos anos de prática e de exercício de tarefas assemelhadas. O custo da revisão, da boa revisão que um trabalho de qualidade merece, pode parecer elevado, mas não existe milagre no mercado, para se comprar ou contratar o que é bom, certos valores e custos são necessários.
Quer saber o preço? Solicite orçamento, mas lembre-se que o trabalho do revisor não é o de uma simples correção ou revisão é bem diferente e mais que isso – é a otimização do texto.

* Este texto é uma transcrição adaptada dos artigos “Quem é o revisor de texto?” e “Quanto custa a revisão de texto?”, publicados no blog Keimelion – revisão de textos.

quarta-feira, 20 de julho de 2011

MINHA MONOGRAFIA (Parte III)

A MORTE DE DEUS - UM EVANGELHO PARA ESPÍRITOS LIVRES

2.1 Quem é Zaratustra?

Indubitavelmente, Assim falou Zaratustra é a obra que mais se identifica com seu autor; é a digital, a marca registrada de Nietzsche; é seu maior legado à humanidade. Nela resume-se a filosofia e o ideal nietzscheanos. Nietzsche e Zaratustra confundem-se, fundem-se em uma só e mesma personalidade arquetípica – Zaratustra é, de certa forma o alter-ego de Nietzsche. É através de Zaratustra que Nietzsche apregoa seu evangelho do advento do super-homem; é através dele que exerce sua espiritualidade, sua religiosidade negada. A religião de Nietzsche é o amor a Terra. O seu “pathos” de religare é o puro e inocente retorno à Terra, à natureza.
“Eu vos rogo, meus irmãos, permanecei fiéis à terra, e não acrediteis nos que vos falam de esperanças ultraterrenas!” (NIETZSCHE, 1990, p. 30).
A fé e a esperança encontradas nesse evangelho são puramente terrenas, são realizações no próprio destino histórico da humanidade; o futuro construído no hoje, aqui e agora; a corda estendida sobre o abismo, em direção ao super-homem – o único advento fiel ao sentido da Terra, que ao invés de caluniá-la, condená-la, exterminá-la, produzirá a redenção de seus filhos.
Zaratustra é um dançarino – pois a vida é música, alegria, harmonia. O maior crime é não amar a vida, o maior delito é negar a filiação à Terra, é não viver potencialmente, é não deixar um deus dançar dentro de si. Nietzsche ama a vida, e por isso quer dançar, malgrado seu estado doentio, quiçá por isso mesmo, ele quer dançar. Qualquer um que tenha um deus dentro de si quer dançar, tudo o que tem “vontade de potência” dança – o universo dança sua “dança de inocência e prazer”. O universo nietzscheano baila. Zaratustra, indubitavelmente, é um bailarino!
Zaratustra é também profeta, do ontem e do amanhã. Anuncia o que já foi – “Deus morreu”-, e o que há de vir – “o homem é algo que deve ser superado”. Mas deve-se ter cuidado ao usar e tentar interpretar palavras como “profeta”, “evangelho”, “esperança”, pois elas devem ser tomadas em um novo sentido e, preferencialmente, em um sentido contrário a tudo que soar religioso. O profeta nietzscheano anuncia exatamente o que o rebanho – os cristãos – não quer ouvir. Seu evangelho desagrada aos ouvidos daqueles que necessitam de mando, dos que dobram os joelhos, dos que procuram antes obedecer. O profeta nietzscheano tem tábuas de dez mil desobediências e fardos pesados para os “muitos-demais”. Sua pregação não quer ouvintes ou seguidores – o pregador teme um dia ser acusado de construir uma nova gaiola, fundar uma nova religião.
O profeta nietzscheano anuncia o novo “evangelho aos “espíritos livres”, mas não os comanda. Liberdade aqui é “estado de potência”, não há má consciência a reparar, não há joelhos a dobrar. Aquele que é livre guia a si mesmo, no entanto, percebe que não está solitário, tem boa companhia – quem é “espírito livre” não arrasta “mortos”. Assim falou Zaratustra.

“Tenho grande medo de ser, um dia, santificado; desse modo, compreenderão por que eu publico antes este livro: deve ele evitar que se abuse de meu nome... Não quero ser um santo, prefiro ser um palhaço. Talvez seja eu um palhaço... Todavia, ou talvez não todavia – porque até agora não há nada tão mentiroso quanto os santos – eu falo a verdade. A minha verdade é espantosa, porque agora a mentira se denominou verdade (...) . O meu destino exige que eu seja o primeiro homem honesto, que eu me sinta em oposição às mentiras de vários milênios”

(NIETZSCHE, 2003, p. 117).

O perfil psicológico do profeta nietzscheano é de um homem amadurecido, que padece em sua alma do peso do tempo e da experiência – o peso da sua extemporaneidade. Seu raciocínio é pleno de vontade de potência – fecundou a própria mente, que agora prenhe, tem dores de parto, quer dar à luz o super-homem. O profeta é pai e avô de todos os “espíritos livres”, dos homens do porvir, da nova humanidade; ele ama os homens com seu amor terreno, instintivo, um amor que não exige mais do que pode dar, cujo sacrifício é a própria superação, que faz do seu ocaso o advento do super-homem.
Acima de tudo, Zaratustra é, também, um ladrão. Atrair para fora do rebanho é sua missão; fazer a multidão irar-se contra ele e confundir-se; abalar seus valores e desbaratá-la – “ladrão, quer chamar-se Zaratustra para os pastores.” Repugna a Zaratustra os pregadores da morte, os caluniadores da vida, os sem-amor à Terra.

“Há pregadores da morte; e a terra está repleta de gente à qual deve pregar-se que abandone a vida (...). Repleta está a terra de gente supérflua, estragada está a vida pelos muitos-demais. Possa a “vida eterna” atraí-los para fora desta vida !”
(NIETZSCHE, 1990, p. 61).

Em suma, Zaratustra é o que todo homem em sã consciência deve querer ser – livre, em paz consigo e com a terra, isento de todo sentimento de culpa, destituído de todo pecado – numa palavra, inocente de qualquer idéia de Deus.

-Este texto continuará em futuras edições. Aguarde!!!

quarta-feira, 13 de julho de 2011

MINHA MONOGRAFIA (Parte II)

A MORTE DE DEUS - UM EVANGELHO PARA ESPÍRITOS LIVRES


2 NIETZSCHE: UM HOMEM, UM LOUCO – PURA DINAMITE

O século XIX teve o privilégio de ver nascer em um de seus dias um dos seres humanos mais controversos da história da humanidade e, curiosamente, um dos raros exemplos de sinceridade, determinação e amor à vida. A 15 de outubro de 1844, nascia no vilarejo de Röcken, na antiga Prússia, o menino que, anos mais tarde, abalaria os alicerces da moral, da cultural e da religião do ocidente – o pequeno Frederico – mas para o mundo inteiro, Nietzsche, o homem-dinamite.
Apesar de ser palco para a existência de Friedrich Wilhelm Nietzsche, o século XIX, no entanto, foi um campo inglório para um lutador pertinaz, e esse fato faria com que o próprio Nietzsche se intitulasse um “extemporâneo” – um homem fora de seu tempo, nascido póstumo ou predestinado ao amanhã. Na verdade, Nietzsche vivia para além de seu tempo, sua filosofia não soava bem aos ouvidos dos seus contemporâneos e, principalmente, a seus compatriotas, os alemães – contra os quais não poupará artilharia (Lutero, Kant, Schopenhauer e Wagner são alguns de seus alvos prediletos). A filosofia nietzscheana chegara cedo demais, antes do alvorecer dos “espíritos livres”. Não obstante, Nietzsche sempre escrevera e se pronunciara em suas obras como “nós, os espíritos livres”, vislumbrando no horizonte da humanidade esses seres superiores, vaticinando um novo alvorecer para uma nova, livre, humanidade.
A trajetória de Friedrich W. Nietzsche, ao longo dos seus 56 anos de vida, tem peculiaridades que dificilmente alguém acreditaria, não fossem as fontes fidedignas dos relatos a seu respeito. Filho e neto de pastores luteranos, com todas as probabilidades de se tornar mais um, pois já em sua infância fora apelidado de “pastorzinho” pelos colegas de escola, que testemunhavam seu ar austero de pequeno pregador, contraditoriamente, Nietzsche despontaria mais tarde como o maior opositor tanto da moral quanto da crença cristãs, fundamentando todo o seu levante contra o cristianismo em uma única declaração: “Deus está morto!”.
Com sua máxima, Nietzsche pouco se importa de ser acusado de blasfêmia – essas palavras do dicionário da moralidade cristã não surtem efeito nele. Se o critério é a moral cristã, então Nietzsche deve ser considerado “amoral” – e essa sim é uma acusação que lhe soa bem!
O filósofo, com sua declaração, não pretende matar nenhum deus, nenhuma divindade religiosa, nenhum ser supremo criador de todas as coisas. O que ele quer realmente é desbaratar essa invenção da fraqueza humana, esse ser metafísico criado na mente humana para se arvorar em juiz e caluniador das ações dos homens, esse dedo, teso, leviano, que nos imputa culpa ainda no berço da inocência, que não espera nem mesmo uma primeira ação e brada, antes de tudo, “tu és fruto do pecado!”.
Nietzsche denuncia que a busca (patológica) por um fundamento de si mesmo – um “explicar-se no mundo” – levou o homem, não exatamente a um “religare”, uma religião, e sim a uma decadência, a uma perda de auto-estima, à humilhação de si mesmo.

“Eis uma história lamentável: o homem busca um princípio no qual possa apoiar-se para desprezar o homem – inventa um mundo para poder caluniar e poluir este mundo: realmente estende sempre sua mão em direção do nada, e desse nada constrói “Deus”, a “verdade”, e por todas as maneiras, juiz e condenador deste ser...” (Nietzsche 2004, p. 231).

Após inventar um “Deus” que justificasse a existência, o homem inventou também uma “verdade”, um “destino supremo”, uma “salvação” – salvar-se a qualquer custo do medo do próprio destino. Todas essas invenções mirabolantes, para o filósofo, são frutos do pior tipo de covardia:
“(...) muitas vezes a submissão à vontade de Deus, e a humildade, nada mais são que o manto lançado sobre a covardia que sentimos no momento de afrontar com bravura o nosso destino”

(NIETZSCHE, 2004, p. 231).

A criança arredia, de difícil convívio social, porém imensamente dedicada à leitura e aos estudos, cresceu apreciando música e poesia de boa qualidade, estudou latim, hebreu e teologia, além de botânica, geologia e astronomia. Especializou-se em filologia clássica e, só veio a interessar-se por Filosofia, após ler “O mundo como vontade e representação”, de Arthur Schopenhauer (1788 – 1860). Aos 24 anos, foi nomeado professor de filologia clássica, na universidade da Basiléia. Dava cursos e palestras. Era apaixonado pela antiga Grécia – sua arte, sobretudo a tragédia, seu modo de vida, os homens e os deuses gregos. Se há um deus, então que seja Dioniso, o deus da exuberância, da desordem e da música. Até a Grécia, a pátria da beleza, foi corrompida. A “razão tirânica”, a dialética socrática roubou a beleza grega, e a “Tragédia” conheceu sua própria tragédia. Nietzsche fez críticas ferrenhas à música e à arte modernas, que para ele eram a própria expressão da decadência.
O que há de mais chocante, porém, na vida do homem Nietzsche, é seu constante estado doentio, iniciado por volta do ano de 1873 – dores de cabeça, dificuldades na fala, perturbações oculares, insônias, problemas estomacais. Apesar dos vários tratamentos a que se submeteu, sua saúde tornava-se cada vez mais deplorável, culminando com a loucura e, anos mais tarde, a morte, a 25 de agosto de 1900.
A despeito de todo sofrimento, o filósofo demonstrou, heroicamente, profundo amor à vida, nunca se deixando abater, e por que não dizer?, fazendo da adversidade sua razão de viver. Amor fati, amor ao destino, foi seu lema de resistência. O que há de contraditório em sua filosofia é exatamente o que a fundamenta: derrubar todos os valores, todos os ídolos, e ao mesmo tempo criar outros valores, fiéis ao sentido da terra e à natureza do homem e anunciar o super-homem; desconstruir a morada do Deus cristão e os alicerces de toda a moralidade de cunho religioso, para inaugurar ali um imenso salão, onde homens e deuses possam, finalmente, viver e dançar juntos. Nietzsche acreditaria somente num Deus que soubesse dançar: “Agora, estou leve; agora, vôo, vejo-me debaixo de mim mesmo; agora,um deus dança dentro de mim”
A crítica nietzscheana ao cristianismo não é leviana nem infundada, pois o filósofo sempre se baseia em evidências e perspectivas históricas, tanto da humanidade quanto do próprio cristianismo. A antiga Grécia e a moderna Alemanha são para Nietzsche provas incontestes de como Sócrates e Platão deturparam a beleza grega e, posteriormente, como o cristianismo alquebrou as forças dos povos bárbaros germânicos. A vida foi posta a grilhões e o homem transformado em réu e carrasco de si mesmo.
Também é infundada a acusação de revanchismo às adversidades de sua existência. Nietzsche não se prendeu unicamente a um anticristianismo, foi também antigermânico, demonstrando como o povo e a cultura alemães enfraqueceram a virilidade dos povos bárbaros da Europa e entre seus expoentes estão aqueles que mais reforçaram a filosofia e a moral cristãs.
Não nada em toda a filosofia nietzscheana que não traga, concomitantemente, o peso da abordagem histórica e psicológica. O filósofo jamais se deixou levar por lucubrações metafísicas ou fantasiosas de qualquer gênero. Sua linguagem é poética, porém agressiva; muitas vezes ela é bíblica, denunciando sua religiosidade mundana. Seu amor pelo sentido da Terra só lhe permitira uma idéia extravagante: a do super-homem - “O homem é algo que deve ser superado”, “o homem é uma corda estendida entre o animal e o super-homem – uma corda sobre um abismo”, assim falou Nietzsche.

- Este trabalho continuará em próximas edições. Aguardem!!!

quinta-feira, 7 de julho de 2011

POEMA DE GOETHE

Goethe, um dos homens mais inteligentes que a Humanidade já produziu, escreveu este belíssimo poema e muitos outros, e sua obra influenciou pensadores de todos os estilos e tempos.
A reflexão deste poema certamente iluminará as trevas dos corações que, ainda iludidos, crêem em deuses ou em um Deus que possa consolá-los, neste mundo ou noutro.

PROMETEU

Encobre, ó Zeus!
o céu com suas nuvens.
E como o jovem
que gosta de colher
cardos no campo, em teu poder conserva
o robusto carvalho e o alto cume
da espaçosa montanha.
Mas consente que eu use
essa terra que é minha,
esse abrigo que eu fiz,
e esta forja que quando faço arder,
tu, no Olimpo, me invejas.

Nada mais pobre eu conheci, ó deuses
do que vós próprios.
Apenas vos nutris
de sacrifícios
e de preces,
dedicados a vossa majestade.
Morreríeis de fome se não fossem
as crianças, os loucos, os mendigos
que vivem de ilusões.

Quando eu era menino
e nada conhecia,
ao sol se erguiam meus sentidos olhos
como se lá houvessem
ouvidos que escutassem meus lamentos,
e um coração tivesse igual ao meu
capaz de consolar a minha angústia.

E quem contra insolência
da turba dos titãs me auxiliou?
Quem me salvou da morte
e me impediu a escravidão?
Não foste tu meu coração somente
ardendo numa chama inextinguível?
Jovem e ingênuo eu tudo agradecia
àquele que no céu
dorme na ociosidade.

Como prestar-te honra? Mas por que?
Deste jamais alívio
aos oprimidos?
Já enxugaste as lágrimas
dos que são infelizes?

Formei um homem,
mas um homem afinal que só se curva
perante o Tempo e o Fado
que são tão meus senhores como teus.

Pensaste tu talvez
que poderia desprezar a vida
e ao deserto fugir
porque nem todos
os meus sonhos floriram?

Aqui estou.
Homens faço segundo a minha imagem,
Homens que serão logo iguais a mim.
Divertem-se e padecem,
gozam e choram
mas não se renderão aos poderosos
como também eu nunca me rendi!

segunda-feira, 4 de julho de 2011

A MORTE DE DEUS - UM EVANGELHO PARA ESPÍRITOS LIVRES

MONOGRAFIA DE CONCLUSÃO DE CURSO

A partir de hoje, começo a publicar em capítulos aqui no blog minha monografia de conclusão de curso. Espero que ela possa ajudar os estudantes, principalmente os do Curso de Filosofia, a elaborar suas próprias monografias, espelhando-se na coerência com que foi planejada e escrita, além de incentivá-los a não se limitarem a temas simples e banais, somente para conseguirem sua aprovação; que eles sejam ousados (já que se pretendem filósofos) e que busquem temas polêmicos, instigantes e provocativos, embasados em pensadores que inscreveram seus nomes na História da Filosofia e continuam sendo marcos para outras perspectivas dentro de toda e qualquer sociedade.

Esta monografia, que ora lhes apresento, recebeu nota 9,0 (nove) da Banca Examinadora, em agosto de 2005, e representa para mim um orgulho, uma vez que a escrevi sozinho, sem nenhuma orientação, pois o professor que consta nos registros da Universidade (vide original desta monografia em seus arquivos) como sendo meu orientador, não cumpriu com a sua função, uma vez que: 1)NÃO ACOMPANHOU A ELABORAÇÃO DESTA MONOGRAFIA, 2) NÃO INDICOU LEITURAS, 3) NÃO FEZ RESSALVAS, COMENTÁRIOS OU ADENDOS, e, pior de tudo, 4)ABRIU OS TRABALHOS DE DEFESA DA MESMA DECLARANDO QUE ERA "CONTRÁRIO AO TEMA ESCOLHIDO".

Por essas e outras razões é que orgulho-me de ter sido aprovado, com nota expressiva, e de nunca me ter desviado do meu propósito e do meu tema, sendo fiel à boa Filosofia e ao compromisso em contribuir com minha formação para a libertação da sociedade de suas amarras culturais e religiosas, muito embora essas amarras sejam tidas como fundamentos para uma sociedade ética e justa, mas que, com o cristianismo ou mesmo sem ele, nunca foi nem seria a sociedade que homens instruídos como nós, os filósofos de todos os tempos, desejamos ou gostaríamos de fazer parte, uma vez que a Ética não pode ser construída sob a égide de desmandos religiosos e a Justiça não se estabelece sob conchavos do poder, mas tão-somente com a legitimidade da Razão, se e somente se esta também for direito e chancela da Sociedade como um todo.

Enfim, que esta monografia sirva de horizonte e mar aberto aos novíssimos filósofos, aos vindouros "espíritos livres".

MONOGRAFIA: A MORTE DE DEUS - UM EVANGELHO PARA ESPÍRITOS LIVRES

Dedico o presente trabalho a todos os “espíritos livres” que não conduzem, nem conduziram, suas vidas por preconceitos morais ou religiosos, de qualquer espécie, nem se prenderam a superstições infantis, ainda que sustentadas secularmente, e aos “extemporâneos”, em qualquer momento de sua passagem sobre esta Terra.


AGRADECIMENTOS


Ao Ser Supremo, criador de todas as coisas e bem-querente de todos os povos, de todas as raças, de todos os credos e de todas as culturas.

Aos meus filhos, luzeiros de minhas noites insones; às minhas irmãs, suporte desta empreitada; e aos “verdadeiros” amigos.

E, meus mais sinceros agradecimentos, a Denize Corrêa Mota, ex-companheira, que antes de todos incentivou e vislumbrou a realização deste momento.


RESUMO

Aqueles que podem vislumbrar uma novíssima humanidade, na qual a natureza e a vida sejam o sentido e o significado mais excelsos que se pode dar a todos os tipos de valor, e cujos conceitos morais tendem para fazer com que os homens compreendam-se como indivíduos singulares, espíritos livres, deuses entre deuses – porque são capazes de criar mundos interiores e potencialmente tornar este aqui um mundo melhor, não em favor ou pelo mando e ordem de qualquer ser metafísico transformado em Juiz Supremo (um olho que tudo vê), mas só e principalmente porque seu destino e vontade assim querem que seja; aqueles de fato compreenderão o real significado de “Deus está morto!”
Este trabalho pretende apresentar uma abordagem na qual perceba-se o quanto o cristianismo envolveu toda a Europa e Ocidente numa nuvem de obstáculos e de males, partindo da perspectiva filosófica de Friedrich Wilhelm Nietzsche, que se conduz estritamente de forma histórico-psicológica, analisando os postulados cristãos, a moral cristã, a noção do Deus único, contrapondo-se a tudo o que é natural e, conseqüentemente, opondo-se ao próprio homem.
Abordam-se, conjuntamente, os enunciados principais da filosofia nietzscheana, como: a moral de rebanho, a transvaloração de todos os valores, os espíritos livres e o advento do super-homem. A base deste trabalho são os postulados filosóficos de Friedrich Wilhelm Nietzsche. Nossa meta é alcançar “aquele novo horizonte”.

Palavras-chave: Deus – Moralidade - Espíritos livres – Cristianismo – Rebanho - Valores.
SUMMARY

Those who can foresee a brand-new mankind in which nature and life are ultimate sense and meaning that one can give to all kind of values, and whose moral concepts tend to make men comprehend themselves as singular individuals, free spirits, gods among gods – because they are able to create inner worlds, and potentially make this one a better world, not in favor or by the command and order of any metaphysical being turned into a Supreme Judge (an All-Sight-Eye), but only and mostly because their destiny and will wish to be this way – those ones will indeed understand the real significance of “God is dead!”
This work intends to present an approach on how the Christianism spread a shadow of obstacles and harm all over Europe and the Western World, according to the philosophical sight of Friedrich Wilhelm Nietzsche, whose parttern is a historical and psychologic point of view, showing that the Christian concepts, its morality and its notion of an Almighty God are against nature and man himself.
The basis for this work is fundamentally the thought of a free thinker – Friedrich Wilhelm Nietzsche – his plenty philosophy. Our aim is “that new horizon”.

Key-words: God . Morality . Free Spirits . Christianism . Herd . Values.



1 INTRODUÇÃO

A Filosofia, desde sua origem, aproximadamente 26 séculos atrás, na antiga Grécia, legou à humanidade as maiores inteligências, os maiores homens que pensaram e traçaram os rumos da História. Cosmólogos, geômetras, matemáticos, astrônomos, chefes de estado, intelectuais, doutores e professores, para ilustrar alguns, utilizaram-se e utilizam-se da Filosofia para estabelecer leis, elaborar estratégias, governar povos, divulgar suas idéias e transferir conhecimentos. Não há no conhecimento ou na atividade humana área na qual a Filosofia não seja aplicável, por necessidade ou por utilidade. De Tales de Mileto aos atuais filósofos produzidos em todo o ocidente o fio condutor comum é o profundo interesse pelo “homem”. Queremos saber “o que é o universo?”, “quem ou o que o criou?”, “qual é a nossa função e importância no mundo?” e, principalmente, “o que é isto – o homem?”
O que até aqui se sabe é que é o homem que, com sua razão, com sua observação e interpretação, dá sentido ao mundo. Esse sentido está contido no método utilizado por ele, a linguagem lógica – ou seja, esse sentido é um código comum à raça humana. Ora, perguntamos, e se esse sentido só fizer sentido para nós, seres humanos? E se a nossa interpretação do mundo só for válida dentro dessa linguagem lógica, isto é, se ela for apenas uma das perspectivas possíveis? E se... Bem, vejamos o que diria o filósofo que mais provocou esses questionamentos:
“Quando alguém esconde uma coisa atrás de um arbusto, vai procurá-la ali mesmo e a encontra, não há muito o que gabar nesse procurar e encontrar: e é assim que se passa com o procurar e encontrar da “verdade” no interior do distrito da razão. Se forjo a definição de animal mamífero e em seguida declaro, depois de inspecionar um camelo: “Vejam, um animal mamífero”, com isso decerto uma verdade é trazida à luz, mas ela é de valor limitado, quero dizer, é cabalmente antropomórfica e não contém um único ponto que seja “verdadeiro em si”, efetivo e universalmente válido, sem levar em conta o homem. O pesquisador dessas verdades procura, no fundo, apenas a metamorfose do mundo em homem, luta por um entendimento do mundo como uma coisa à semelhança do homem e conquista, no melhor dos casos, o sentimento de uma assimilação. Semelhante ao astrólogo que observava as estrelas a serviço do homem e em função de sua sorte e sofrimento, assim um tal pesquisador observa o mundo inteiro como ligado ao homem, como a imagem multiplicada de uma imagem primordial do homem. Seu procedimento consiste em tomar o homem por medida de todas as coisas: no que, porém parte do erro de acreditar que tem essas coisas imediatamente, como objetos puros diante de si. Esquece, pois, as metáforas, intuitivas de origem, como metáforas, e as toma como as coisas mesmas”.
NIETZSCHE (1991, p. 36)

Abaladas estão todas as nossas convicções, senhores! Melhor retroagirmos ao patrono da filosofia, Sócrates, e fazer coro com ele: “Só sei que nada sei!”. Talvez seja válido dizer aqui que o homem sabe muito do que “quer” saber e pouco do que “deve” saber. Porque ele transforma o sentido do mundo em verdade, ele categoriza as coisas, os seres e os eventos, ele sintetiza idéias e formula leis dentro da linguagem e do método que só diz respeito a ele próprio. Ele é senhor do universo somente no domínio da “Razão”, ele é agente fazedor da história e da cultura, mas está sujeito às intempéries da “vida”. A certeza é uma estaca que fincamos, para nos segurar, em um chão que não estava ali. Blaise Pascal (1623 – 1662) propõe a seguinte situação: “Se um trabalhador manual tivesse certeza de sonhar cada noite, doze horas a fio, que é rei, acredito que seria tão feliz quanto um rei que todas as noites durante doze horas sonhasse que é um trabalhador manual”. Moral da estória: se o sonho for a realidade, a realidade não será uma espécie de sonho?
Voltando aos gregos, chegamos a Platão e seu mundo das idéias – aqui, tudo não passa de aparências, lá, tudo é real. Que lugar é esse “lá”, que o intelecto do filósofo grego captou e considerou de sua obrigação comunicar aos seus contemporâneos? Por que, desde então devemos concluir que o tangível é apenas o fenômeno, o que se mostra, de uma essência real intangível? Sejam quais forem as respostas, o fato é que esse pensamento platônico fundou uma Escola filosófica, avançou no tempo, apoderou-se de outras mentes e finalmente foi tragado pelo Cristianismo para fundamentar sua filosofia e sua moral posteriormente.
É desse pormenor exatamente que este trabalho se ocupa. O senhor Friedrich Wilhelm Nietzsche (1844 -1900) extenuará sua obra integralmente em tentar demonstrar o quanto a religião ocidental, a fé cristã, se apoderou desse pensamento platônico, para cometer os maiores delitos contra o homem, a natureza e a vida na Terra. Fundamentando-se numa metafísica religiosa, ou seja, em mundos, seres, conceitos e idéias que não são encontrados neste mundo, inventou um Deus-juiz, um pecado original, um sacrifício divino, uma remissão das faltas, um castigo eterno, um reino dos céus e um inferno. Segundo Nietzsche, como pretendemos deixar claro aqui, foi alquebrando nossa força, tirando nossa “vontade de potência”, negando a vida na Terra, deturpando a inocência da natureza e prometendo extra-mundos que o cristianismo disseminou por toda a Europa e todo Ocidente sua cultura, sua ética, as quais só serviriam ao homem de condenação e entrave. Inventou um livre arbítrio para um falso sentido de liberdade para eximir seu Deus da culpa de todos os erros encontrados no mundo. A partir desse postulado – o livre arbítrio – tudo que o homem realiza corretamente é fruto de sua retidão para com Deus ou da graça incondicional deste; e tudo o que o homem comete de erro é de sua própria e máxima culpa, por ter se afastado dos mandamentos desse mesmo Deus.
Nietzsche combaterá essa forma injusta e desumana de julgar a humanidade e procurará deixar evidente como o intelecto, raciocinando a partir de um erro - qual seja, o de que no metafísico se encontra a verdade e de que o fenômeno é distorção, erro ou ilusão – deu vazão a uma cultura contra o próprio homem e uma moralidade que fere a natureza e a vida.

O presente trabalho procurará levantar os principais postulados da filosofia nietzscheana - a saber: a morte do Deus cristão, a moral de rebanho, o advento do super-homem, a humanidade como nação dos espíritos livres e os conceitos de bem e mal sob as perspectivas de novíssimos valores. As obras do filósofo alemão que aqui serão trabalhadas para a nossa documentação serão: “A Gaia Ciência”, “Assim Falou Zaratustra”, “Para Além do Bem e do Mal”, O Anticristo” e “Vontade de Potência”. Faremos referências a outros filósofos como Schopenhauer e Kant, e comentadores da obra de Nietzsche. Temos por objetivo elucidar um pensamento autêntico, que, devido à polêmica que causou e ainda causa, foi relegado em sua época e, mesmo hoje, é alvo do preconceito e da incompreensão por parte de muitos que inocentemente, é preciso dizer, se deixaram apanhar pelas teias dessa aranha chamada moral cristã.
Seremos nós, autores deste trabalho, também alvo de “olhares” não muito amistosos – já o sentimos. Mas, lembrando as palavras daquele que justifica essa nova verdade revelada, ousamos dizer: “Peço-vos perdão, meus amigos: tive a audácia de rabiscar minha felicidade na parede”. Nietzsche, in A Gaia Ciência.

*** Esta publicação será continuado em breve, aguarde!

sábado, 2 de julho de 2011

DEUS, NÃO! DESUMANO!

DESUMANO, DEMASIADO DESUMANO


Ontem à tarde, meu amigo de infância, José Henrique Cordeiro Mendonça (Zeca para os íntimos), 46 anos de idade, casado, dois filhos, engenheiro civil e matemático, faleceu após 27 dias internado, sendo ontem o 17º dia na UTI de um hospital daqui de São Luís do Maranhão.

A morte do meu amigo nada tem de extraordinário ou especial diante de tantas mortes que acontecem todos os dias, em todos os lugares do mundo, que abalam, chocam e entristecem aqueles que ficam - parentes e bem-querentes dos que partem. A morte é sempre “a morte”, destino de todos, portanto, já deveríamos estar acostumados - mas não estamos!

O objetivo do presente artigo não é tratar sobre a morte, seja a dos entes queridos, seja a dos desconhecidos, mundo afora. Este artigo é um desabafo, uma denúncia, um manifesto contra a mentira que se perpetua há séculos, contra a superstição que domina o coração e a razão de pessoas que, desenganadas ou desesperançadas, elevam seus desenganos ao "supremo engano", alçam suas desesperanças ao "supremo desespero" - numa palavra, à "mentira suprema". Elas perderam o que tinham e agora, em desatino, clamam a um “ser que não existe”, e que jamais existiu. Um Deus bom e misericordioso, pronto a ouvir seus lamentos, suas súplicas e a atender suas orações - produzido não do "barro", mas de toneladas de "algodão-doce".

Não importa que religiões inteiras venerem seu nome e propaguem suas glórias. Seu próprio nome (seja lá como o chamem nas diversas "mães da mentira", as religiões) e sua suposta “glória” são e sempre foram fruto de mentes doentias, alquebrantadas, sofridas, desesperadas, fracas, psicóticas, para não dizer obscenas. Basta ver o que fazem os denominados "fiéis". Não enxergam a realidade que se passa a sua volta. Bem ao contrário, põem suas vidas a serviço do "nada supremo", à deriva no mar da existência, na vã esperança do "triunfante amanhã" (que jamais virá!).

Essa gente religiosa e seus sacerdotes deviam se envergonhar de suas pregações, de suas orações, de seus joelhos dobrados e de todas as veleidades que praticam em nome do “NADA SAGRADO”, do inexistente, desse corruptor de vidas, desse demônio mental – "o Deus-mentira”.

Toda essa gente tola, fraca de consciência e de razão, acredita que suas preces, súplicas e orações são ouvidas e atendidas por um "Deus bom e misericordioso", mas, ao fim das contas, precisam encarar a realidade cruel dos fatos: "o cretino sagrado não está lá". Ainda que passem horas, dias, noites, orando por seus entes queridos, pedindo ao seu Deus-mentira para curar seu filho ou filha, pai ou mãe, amado ou amada, amigo ou amiga, a resposta que ouvirão será sempre mais débil e desoladora do que o eco produzido pela própria voz dentro das cavernas ou no alto das montanhas. No entanto, apesar de todas as evidências em contrário, com total falta de vergonha e de escrúpulos, tentarão convencer os outros e a si mesmas que não importa o resultado de suas orações, pois cumpriu-se “a vontade de Deus e não a nossa”. A isso chamam "resignar-se e manter-se na fé". Amém!: eis a palavra mais mentirosa e desavergonhada que se pode ouvir. Essa gente lota igrejas, mesquitas, templos, sinagogas – antros da mentira, moradas do desespero e da falsidade, altares dos demônios mais perniciosos que uma mente insana pode conceber, e, supondo estarem salvando suas almas, entregam suas vidas, seus bens e sua coragem ao "desumanizador Deus" - a mentira de muitos e muitos séculos!

Serei um soldado aguerrido em combate contra esse Deus-mentira e seus seguidores, esse exército de vulgares, essa multidão de incapazes, essa legião de santos vivos (apesar de mortos para a razão e para a sapiência). Combater esse trono da mentira é para mim tão salutar quanto buscar o meu pão-de-cada-dia, por isso, declaro guerra ao Pai de toda essa doença sagrada, divina, religiosa. Não combato "o inexistente", pois o inexistente encarnou-se nos "existentes", combato esses "desumanizados" - esses que, para criar e amar seu "ídolo desumano" (sua versão do "bezerro de ouro"), lançaram seu ódio contra a espécie humana e puseram sobre ela o estigma da culpa.

Sei que alguns deles dirão: "ele está revoltado com a morte de seu amigo e pensa que Deus é o culpado". Eu, porém, replicarei: "Não, seus cretinos, não é a perda de "um" amigo que me fez combatente dos pregadores da mentira, é a certeza de que, agindo desse modo, me mantenho fiel à Terra e não a quimeras, brindarei um dia, com toda a raça humana, a vitória sobre os "muitos-demais"".