quarta-feira, 20 de julho de 2011

MINHA MONOGRAFIA (Parte III)

A MORTE DE DEUS - UM EVANGELHO PARA ESPÍRITOS LIVRES

2.1 Quem é Zaratustra?

Indubitavelmente, Assim falou Zaratustra é a obra que mais se identifica com seu autor; é a digital, a marca registrada de Nietzsche; é seu maior legado à humanidade. Nela resume-se a filosofia e o ideal nietzscheanos. Nietzsche e Zaratustra confundem-se, fundem-se em uma só e mesma personalidade arquetípica – Zaratustra é, de certa forma o alter-ego de Nietzsche. É através de Zaratustra que Nietzsche apregoa seu evangelho do advento do super-homem; é através dele que exerce sua espiritualidade, sua religiosidade negada. A religião de Nietzsche é o amor a Terra. O seu “pathos” de religare é o puro e inocente retorno à Terra, à natureza.
“Eu vos rogo, meus irmãos, permanecei fiéis à terra, e não acrediteis nos que vos falam de esperanças ultraterrenas!” (NIETZSCHE, 1990, p. 30).
A fé e a esperança encontradas nesse evangelho são puramente terrenas, são realizações no próprio destino histórico da humanidade; o futuro construído no hoje, aqui e agora; a corda estendida sobre o abismo, em direção ao super-homem – o único advento fiel ao sentido da Terra, que ao invés de caluniá-la, condená-la, exterminá-la, produzirá a redenção de seus filhos.
Zaratustra é um dançarino – pois a vida é música, alegria, harmonia. O maior crime é não amar a vida, o maior delito é negar a filiação à Terra, é não viver potencialmente, é não deixar um deus dançar dentro de si. Nietzsche ama a vida, e por isso quer dançar, malgrado seu estado doentio, quiçá por isso mesmo, ele quer dançar. Qualquer um que tenha um deus dentro de si quer dançar, tudo o que tem “vontade de potência” dança – o universo dança sua “dança de inocência e prazer”. O universo nietzscheano baila. Zaratustra, indubitavelmente, é um bailarino!
Zaratustra é também profeta, do ontem e do amanhã. Anuncia o que já foi – “Deus morreu”-, e o que há de vir – “o homem é algo que deve ser superado”. Mas deve-se ter cuidado ao usar e tentar interpretar palavras como “profeta”, “evangelho”, “esperança”, pois elas devem ser tomadas em um novo sentido e, preferencialmente, em um sentido contrário a tudo que soar religioso. O profeta nietzscheano anuncia exatamente o que o rebanho – os cristãos – não quer ouvir. Seu evangelho desagrada aos ouvidos daqueles que necessitam de mando, dos que dobram os joelhos, dos que procuram antes obedecer. O profeta nietzscheano tem tábuas de dez mil desobediências e fardos pesados para os “muitos-demais”. Sua pregação não quer ouvintes ou seguidores – o pregador teme um dia ser acusado de construir uma nova gaiola, fundar uma nova religião.
O profeta nietzscheano anuncia o novo “evangelho aos “espíritos livres”, mas não os comanda. Liberdade aqui é “estado de potência”, não há má consciência a reparar, não há joelhos a dobrar. Aquele que é livre guia a si mesmo, no entanto, percebe que não está solitário, tem boa companhia – quem é “espírito livre” não arrasta “mortos”. Assim falou Zaratustra.

“Tenho grande medo de ser, um dia, santificado; desse modo, compreenderão por que eu publico antes este livro: deve ele evitar que se abuse de meu nome... Não quero ser um santo, prefiro ser um palhaço. Talvez seja eu um palhaço... Todavia, ou talvez não todavia – porque até agora não há nada tão mentiroso quanto os santos – eu falo a verdade. A minha verdade é espantosa, porque agora a mentira se denominou verdade (...) . O meu destino exige que eu seja o primeiro homem honesto, que eu me sinta em oposição às mentiras de vários milênios”

(NIETZSCHE, 2003, p. 117).

O perfil psicológico do profeta nietzscheano é de um homem amadurecido, que padece em sua alma do peso do tempo e da experiência – o peso da sua extemporaneidade. Seu raciocínio é pleno de vontade de potência – fecundou a própria mente, que agora prenhe, tem dores de parto, quer dar à luz o super-homem. O profeta é pai e avô de todos os “espíritos livres”, dos homens do porvir, da nova humanidade; ele ama os homens com seu amor terreno, instintivo, um amor que não exige mais do que pode dar, cujo sacrifício é a própria superação, que faz do seu ocaso o advento do super-homem.
Acima de tudo, Zaratustra é, também, um ladrão. Atrair para fora do rebanho é sua missão; fazer a multidão irar-se contra ele e confundir-se; abalar seus valores e desbaratá-la – “ladrão, quer chamar-se Zaratustra para os pastores.” Repugna a Zaratustra os pregadores da morte, os caluniadores da vida, os sem-amor à Terra.

“Há pregadores da morte; e a terra está repleta de gente à qual deve pregar-se que abandone a vida (...). Repleta está a terra de gente supérflua, estragada está a vida pelos muitos-demais. Possa a “vida eterna” atraí-los para fora desta vida !”
(NIETZSCHE, 1990, p. 61).

Em suma, Zaratustra é o que todo homem em sã consciência deve querer ser – livre, em paz consigo e com a terra, isento de todo sentimento de culpa, destituído de todo pecado – numa palavra, inocente de qualquer idéia de Deus.

-Este texto continuará em futuras edições. Aguarde!!!

Nenhum comentário:

Postar um comentário