sexta-feira, 4 de novembro de 2011

MINHA MONOGRAFIA ( Parte IX)

OS ESPÍRITOS LIVRES

A Europa observada por Nietzsche é um “doente”, um “decadente”, um ambiente impregnado da moral e da cultura cristãs, repleto de gente que ainda tem necessidade da “fé” à maneira cristã, gente que teme ainda soltar as amarras e navegar ao sabor do vento do “si mesmo”. O filósofo alemão analisa tanto o homem comum europeu quanto o pensador como indivíduos que confundem “o necessário” com o “verdadeiro”. A modernidade, apesar de todo o espírito científico-positivista, ainda precisa entoar versos e salmos bíblicos que inspirem seus passos para o amanhã. A filosofia nietzscheana quase chega a insinuar que “ter fé” é idêntico a “ter medo”. O cientista e o filósofo modernos ainda tratam a ciência e a filosofia como “frutos proibidos” de uma árvore que, ao invés de nos abrir os olhos para um novo horizonte, nos turvará a vista para uma tontura e queda no inferno. No entanto, a partir de si mesmo, Nietzsche vislumbra, em sua solidão, a aurora dos novos espíritos:

“O acontecimento de maior grandeza dos últimos tempos – o fato de que “Deus está morto”, ou seja, o fato de que a fé no Deus cristão despojou-se de sua plausibilidade – já lança as suas primeiras sombras na Europa”.
(NIETZSCHE, 2003, p. 181).

É muito provável que o olhar nietzscheano tenha captado, não homens daquela época (aproximadamente 1882), e sim homens do futuro, pois nem mesmo nós, homens do século XXI, conseguimos enxergar à nossa volta esses espíritos livres. A despeito dos vários golpes sofridos, o cristianismo e todo o seu arcabouço moral ainda são peso e medida para o Ocidente. Roma foi ferida em sua hegemonia pela ação insurgente da Reforma, mas o surgimento desenfreado de seitas neo-pentecostais estão, pouco a pouco, levando a “doença ocidental” a um quadro de “septicemia”. Se, de um lado, nós temos o Vaticano combatendo questões sociais como o aborto, o uso do anticoncepcionais, a pobreza e a fome, de outro, temos as igrejas evangélicas pregando a prosperidade e a riqueza como provas da fidelidade de Deus aos seus devotos, também fiéis.
Parecem incongruentes, mas são complementares, uma vez que repousam sobre os mesmos alicerces morais.

Onde estariam então esses novíssimos “espíritos livres”, vislumbrados pelo filósofo dois séculos atrás? Na verdade, Nietzsche pretende-se um “embrião”. Sua maior esperança era que homens do amanhã sintonizassem sua filosofia e, observando a decadência histórico-cultural da Europa cristã e o contra-senso do cristianismo, bradassem a plenos pulmões: “liberdade em nome da razão – morte ao Deus cristão!” É possível que já existam tais homens, ainda poucos, embrionários, mas aquela aurora ainda não se insinua...

Apesar de um expressivo reconhecimento da obra de Nietzsche, na Europa e no mundo, sua voz ainda clama no deserto criado pelos muitos longos anos de dominação cristã. Resta-nos, como alento, essas palavras poéticas, proféticas e encorajadoras de um homem que não se deixou apanhar no marasmo existencial:

“De fato, nós filósofos, “espíritos livres”, sabendo que “o antigo Deus está morto”, sentimo-nos iluminados como por uma nova aurora: o nosso coração transborda de gratidão, de espanto, de pressentimento e de expectativa... eis que enfim, mesmo se não está claro, o horizonte de novo parece livre, os nossos barcos podem voltar a partir e vogar diante de todos os perigos; volta a ser permitido qualquer tentativa de quem busca o conhecimento; o mar, o nosso mar, de novo abre todas as suas extensões; talvez, jamais tenha existido tanto “mar aberto”".
(NIETZSCHE, 2003, p. 182).

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