sexta-feira, 18 de novembro de 2011

MINHA MONOGRAFIA (Parte X)

PARA ALÉM DO BEM E DO MAL


Uma das idéias mais combatidas na obra de Friedrich Nietzsche é, sem dúvida, a noção do “dever” – tanto no sentido kantiano, quanto como dogma cristão (se é que há alguma diferença entre ambos!). O “imperativo categórico” elaborado por Immanuel Kant (1724 – 1804), filósofo também alemão, do século XVIII, para Nietzsche, não passa de disfarce ou reelaboração dos mandamentos cristãos, de forma sucinta: amar a Deus sobre todas as coisas e ao próximo como a si mesmo; não matarás; não levantarás falso testemunho, etc, etc. A elaboração kantiana da “ação livre por dever” soa aos ouvidos do homem-dinamite como absoluta insensatez e absurdo. Para um filósofo que se mostrou contrário à metafísica deveria ser vergonhoso “cair nas malhas do velho Deus cristão”, assim pensava o destruidor de todos os valores.

Nietzsche denuncia que todas as tentativas dos filósofos nos últimos séculos de fundar uma ética foram simples remendos e arremedos de platonismo e cristianismo. As concepções de “bem” e de “mal” de dada cultura são sub-produtos de uma avaliação – mas de que perspectiva partem essas avaliações? A resposta nietzscheana é que, partindo do pressuposto de que a moral vigente é peso e medida para a valoração, bem e mal aí não passam de “pré-conceitos”, tendo como perspectiva algum ser metafísico, extra-mundano, juiz a-histórico, pois para a natureza há espiritualidade, necessidade e utilidade tanto num princípio quanto noutro.
“A moral tirou a inocência do mundo e a metafísica se constitui em verdade” – é o que diz Mauro Araújo de Sousa, em seu prefácio a “Para além do bem e do mal”, e segue citando o próprio Nietzsche: “O que é a verdade, portanto? Um batalhão móvel de metáforas, metonímias, antropomorfismos, enfim, uma soma de relações humanas, que foram enfatizadas poética e retoricamente, transpostas, enfeitadas, e que, após longo uso, parecem a um povo sólidas, canônicas e obrigatórias: as verdades são ilusões, das quais se esquecem que o são, metáforas que se tornaram gastas e sem força sensível, moedas que perderam sua efígie e agora só entram em consideração como metal, não mais como moedas” (Nietzsche, 2002, p.27).

O platonismo condenou o mundo sensível à pura aparência, à inutilidade, à vulgaridade; inventou o mundo das idéias, um “mundo ideal” - quer dizer, “real” - para Nietzsche, no entanto, tudo isso não passa de divagação metafísica, devaneios platônicos, desatino. O cristianismo soube apoderar-se de “tão elevada filosofia” e montar, a partir dela, seu próprio sistema ético-filosófico – sobre isso entendem muito bem Agostinho e Tomás de Aquino, filósofos cristãos – como se isso fosse possível, diria Nietzsche. O mundo natural, a vida sobre a Terra, desde então só serviu de escárnio e pilhéria para tais filósofos, santos e deuses de toda a espécie. Qualquer extra-mundo é melhor que aqui, eis a “grande avaliação universal”. Caso não simpatizemos com tal lógica, que tal volvermos para o pessimismo schopenhaueriano, que elaborou enunciados, tais como: “sem dúvida a necessidade e o tédio constituem os dois pólos da vida humana”, ou “podemos conceber nossa existência como um episódio a perturbar, inutilmente, a bem-aventurada paz do nada”, e ainda, “Hoje está mal, amanhã será pior, até que sobrevenha o mal definitivo”? Não há o que estranhar se o suicídio, a partir desse prisma, se estabelecer como ato de maior sensatez!

Quando Nietzsche expôs seu pensamento em “Para além do bem e do mal – Prelúdio de uma filosofia do futuro” (1886), ele já havia escrito dois outros livros fundamentais para seu projeto de apresentar ao mundo a necessidade de uma transvaloração dos valores. Em “A Gaia Ciência” (1882), ele nos sai com: “A piedade é o sentimento mais agradável para aqueles que são pouco orgulhosos e que não têm possibilidades de fazer grandes conquistas: a presa fácil – qualquer ser sofredor é presa fácil - é coisa que os encanta” (p. 46); e em “Assim falou Zaratustra” (1884), sentencia: “Bem e mal, prazer e dor, eu e tu – tudo parecia-me colorida fumaça diante de olhos criadores. Queria o Criador desviar o olhar de si mesmo – e, então, criou o mundo” (p. 48). Faltava ainda “O Anticristo”, talvez para dar o desfecho final contra o demasiado tempo da moral cristã, mas esse só seria publicado postumamente. Na introdução a “Para além do bem e do mal”, Mauro Araújo de Sousa esclarece: “(...) o filósofo elabora uma crítica cultural utilizando o seu perspectivismo para abordagem, em vários aspectos, da formação do espírito no Ocidente, sempre tendo em vista reverter o quadro valorativo estabelecido pelo platonismo e sua metafísica. Também, o que é destaque na obra, é a questão dos “filósofos do futuro”, estabelecedores de novas condições culturais. Denomina esses filósofos como aqueles que são capazes de tentativas, de experimentos consigo mesmos e que, por não serem dogmáticos e nem se prenderem a nada, conseguem a liberdade do espírito. Esses filósofos do futuro seriam eles próprios os seus criadores, estando, por isso, além do bem e do mal, esse vício dualístico da “moralina cristã”.”

Portanto, estar além do bem e do mal é criar e nada temer; é soltar as amarras, porque a liberdade é galardão maior que todos os tesouros extra-mundanos da decadente moral cristã.

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