sábado, 28 de setembro de 2013

EM BUSCA DE UM NOVO PARADIGMA

ANÁLISE DO FILME “PONTO DE MUTAÇÃO”*

A ideia, ao longo de todo do livro “The Turning Point” (Ponto de Mutação) do Capra, que virou filme, é demonstrar a inviabilidade da fragmentação da realidade, feita tanto pela ciência quanto por outras vertentes do pensamento, da modernidade até nossos dias, diante do fracasso que esse modelo parece apresentar às questões humanas fundamentais, uma vez que ele se ocupa em cuidar, tratar, consertar a parte, sem levar em conta sua totalidade, vez por outra, confundindo-se com um mero paliativo para os nossos problemas cruciais, como meio ambiente, recursos naturais, saúde e outros.

É claro que, por um longo tempo, esse modelo cartesiano pareceu satisfatório, e ainda há situações em que ele parece ser útil. No entanto, o que Capra propõe é uma saída urgente da dependência desse paradigma, antes que, segundo ele, haja um colapso, uma situação que nos tire a possibilidade de avançar e até mesmo de viver, enquanto seres humanos, enquanto componentes da natureza. Essa visão é compartilhada por outros cientistas que, de certa forma, se sentem frustrados com os métodos científicos até aqui empregados, sendo que, no filme, esses cientistas, e o próprio Fritjof Capra, são representados por Sonia, a cientista que conduz as discussões.

Ora, é necessário, porém, dizer que toda a lógica tem por modus operandi fragmentar. É assim que ela se articula com maestria e seduz o pensador e o cientista, pela capacidade que a fragmentação tem de dar a ele segurança no que pensa e no que faz. Porém, essa segurança nem sempre, ou melhor, no mais das vezes, não é sinônimo de verdade. Ou seja, esse estado agradável que vem desse seguir passo a passo em direção a uma resposta aos problemas humanos, muitas vezes, resulta em algo paliativo, temporário em sua eficácia. Isso porque não se levou em conta o todo, como pertencente ou participante do problema.

É por essa razão que autor nos apresenta três vertentes, três representantes do pensamento e da sociedade: uma cientista, um político e um poeta. Curiosamente, é a cientista que questiona o velho paradigma, julga-o e propõe a mudança. Ora, evidentemente, essa cientista é, por assim dizer, o alter-ego do próprio Capra – aquele que viu que o pensamento e a ciência já não poderiam seguir como antes, considerando em pedaços, de forma fragmentada, negligenciando o todo, incapaz de uma visão holística. Importante também é perceber que Capra vai beber nas fontes orientais, como um contraponto ao pensamento ocidental. Seu livro é fortemente baseado no I Ching dos chineses. Como se vê, Capra não apresenta algo tão novo assim – é verdade que sua proposta de mudança de paradigma é de certa forma inusitada, mas, se é capaz de surpreender ou chocar os ocidentais, não deve causar o mesmo nos orientais, porque a estes isso já é, há muito, conhecido. Além disso, de certa forma, a ciência em si não é tão diferente assim lá e cá, e quando lá a ciência se apresenta diferente, na medicina chinesa ou indiana, por exemplo, quase não é considerada no Ocidente como um ciência de fato.


Bem, o que Capra propõe é um imenso desafio, porque, como já disse , a própria lógica trabalha com tijolinhos e não com estruturas completas e prontas – isso é seu fim, é o resultado do seu trabalho, não o processo para esse fim. Esse desafio é posto aos três personagens, como representantes de suas categorias, e cada um deverá responder, reagir a esse desafio, de modo peculiar. O mais importante na obra de Capra é a exigência que se impõe ali de se refletir sobre o que temos feito até com o nosso mundo, a partir desse olhar obsoleto que lançamos até aqui sobre ele, desconsiderando apenas o que é imediato. Portanto, observo que esse cientista, seja a personagem do filme, seja o próprio Capra, são, em última instância, o filósofo, uma vez que cabe ao filósofo propor um lançar-se adiante, mas não cabe a ele dar respostas.

A Filosofia é considerada a mãe de todas as ciências e o conhecimento humano, a meu ver, tem duas importantes alavancas – a curiosidade e a necessidade. A curiosidade pode até nos permitir o uso e mesmo o abuso do tempo, a necessidade, jamais.


CONSIDERAÇÕES PARA O DEBATE

- A lógica considera um fragmento, estuda-o e ocupa-se dele até apontar um novo fragmento do qual o estudo deve se ocupar;

- Um dos personagens lembra a “Dança de Shiva”, referindo-se ao movimento do Universo, porque Shiva é o arquétipo da mudança e a sua dança representa o constante estado instável das coisas no mundo;

-A fragmentação não deve ser confundida com o mergulho em si mesmo, porque esse “si mesmo” não é o ego, e sim o todo do ser;

- Sonia, a cientista, também representa o ermitão, o santo retirado do mundo. Ela se isola em sua sabedoria e já não sabe lidar nem mesmo com suas relações pessoais, sua filha, por exemplo. Sua introspecção é uma exigência, sua negação em ver seu trabalho sendo utilizado para fins militares a inoja, seu isolamento é necessário para a gestão do novo paradigma. Mas como fazer isso vivendo no mundo, atuando profissionalmente, levando em frente as relações pessoais e seus conflitos diários?

- Sentir o universo é um trabalho interior, diz um dos personagens;

- Não seguir o velho padrão é frustrante, pois nele você tem logo ali “algo”, sem ele, é complicado, você se sente minúsculo diante do todo; na lógica há segurança, há certezas quase palpáveis, que são “verdades” por um bom tempo;

- O acaso, a coincidência, apesar de serem considerados logicamente, como possibilidades, não são do âmbito da lógica – ela precisa de certezas, possibilidades prováveis;

- A Poesia transcende a lógica, escapa dela; a poesia, tomada racionalmente, até confunde; o poeta perde a identidade, esquece o próprio nome;

- Visão mecanicista é igual a pensamento cientificista; lógica é igual à razão; como sair dessa teia?

- Consertar uma parte não resolve o problema do todo – a Ciência vive uma “Crise de Percepção”;

- Tudo o que funciona é bom?
- A noção do Karma foi expressa em “A dor foi embora, mas a causa não, então a dor pode voltar”;

- O tempo que a lógica pode dar conta e a visão humana embasada nos padrões da lógica são parciais. Então, que tipo de tempo podemos ter acesso, de forma a perceber completamente o seu movimento, e que abordagem podemos ter dos desafios e das necessidades humanas, deixando o paradigma da fragmentação?

* Este artigo é resultante do debate ocorrido na aula de Mestrado em Saúde e Ambiente, ministrada pela Profª. Drª. Andrea Alac (UFMA), no qual participei, juntamente com o artista plástico Claudio Costa, como um dos debatedores.

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