segunda-feira, 30 de abril de 2012

ABRINDO CAMINHOS ATÉ NIETZSCHE (Parte II)

ALGUMAS PALAVRAS SOBRE NIETZSCHE

Em 15 de outubro de 1844, nascia em uma casa pastoral de um vilarejo de Röecken, na Alemanha, Friedrich Wilhelm Nietzsche, filho de Karl Ludwig Nietzsche, pastor luterano e Franziska Oehler. Descendente de uma família de pastores luteranos (seu avô, Friedrich August Ludwig Nietzsche, era pastor e sua mãe também era filha de um pastor luterano), não obstante, esse legado pastoral, assim como sua hereditariedade germânica, em nada seria o traço marcante da vida do futuro filósofo.

A morte do pai (cinco anos após seu nascimento) e a do irmão logo depois deixaram marcas indeléveis na infância do pequeno Friedrich. “Privado do seu melhor amigo (o pai), sentia-se preterido. Se o mundo é regido pela potência do Bem, como explicar o acontecido? Malvadez divina? Punição?”. Viúva e recebendo uma mísera pensão, insuficiente para a manutenção da família, sua mãe resolve partir com a família (ou o que sobrou dela) para Naumburg, onde poderia contar a ajuda de amigos e parentes.

Em Naumburg, Nietzsche foi educado em casa, aos cuidados da própria mãe. Já entre 1850 e 1858, ele freqüenta várias escolas, onde era visto pelos colegas como um menino introvertido e estranho, ao qual apelidaram de “o pequeno pastor”. Mais tarde, ao ganhar da mãe um piano, passou a ter aulas de música na própria casa. A partir de então, sua vida pareceu ficar mais alegre – dedicava-se à música e à poesia, conquistava amigos e se divertia, e também gostava muito de literatura. Mas essa alegria foi interrompida mais uma vez pela experiência da doença e da morte – morreram sua tia Auguste e sua avó paterna Erdmuthe. Também, ele foi acometido pelas primeiras crises de dores de cabeça e nos olhos, por essa razão teria pedido licença escolar.

Aos 14 anos ganhou uma bolsa de estudos para o Colégio Real de Pforta (internato de elite, onde grandes nomes da cultura alemã, como Fichte, estudaram). Ali conheceu a solidão, a distância e a saudade da mãe e da irmã – o regimento escolar só permitia uma saída de quatro horas, aos domingos. Para aplacar essa solidão atirava-se à composição musical e à leitura de Homero e Virgílio. Em Pforta, Nietzsche recebeu sólida formação humanista, conheceu os grandes autores da Antiguidade, por outro lado, sua saúde começava a dar sinais de fragilidade. O relatório médico do ginásio atesta que as congestões na cabeça, o reumatismo e os distúrbios oculares estavam se tornando cada vez mais constantes.

Na década de 1860, conhece a obra A Essência do Cristianismo, do filósofo Ludwig Feuerbach. A partir daí, se manifestam suas primeiras reações contrárias ao cristianismo, que o afastarão da vocação familiar para a Teologia. Em 1864, matricula-se em Teologia e Filologia na Universidade de Bonn, onde assiste às aulas de Ritschl (eminente helenista, que aprimorou os estudos e abriu novos caminhos para a Filologia Clássica. Graças a Ritschl, Nietzsche descobre sua vocação para a Filologia Clássica e, em 1865, segue para Leipzig, para continuar seus estudos com Ritschl. Nesssa época, o filósofo (ainda filólogo) desfrutou de certa felicidade, equilíbrio e saúde; seu trabalho foi profícuo e coroado de êxito: proferiu várias conferências e escreveu inúmeras resenhas. Foi em Leipzig que leu os dois volumes de O Mundo como Vontade e Representação, de Arthur Schopenhauer (seu primeiro contato real com a Filosofia); também por essa época que veio a conhecer a obra de Richard Wagner. Tanto Schopenhauer quanto Wagner tornam-se assim dois luzeiros de inspiração para a Filosofia nascente em Nietzsche. Por meio do mestre Ritschl, Nietzsche é então convidado a lecionar na Universidade da Basiléia, na Suíça.

Ao mesmo tempo em que se ocupava com ponderações sobre os gregos do período trágico, em 1870, obteve licença para participar como enfermeiro na Guerra Franco-Prussiana. Embora breves, as provações da guerra atingiram-lhe profundamente, causando-lhe crises de disenteria e icterícia. No campo de batalha, assistira aos horrores da destruição em massa: eram tantos os feridos que mal podiam ser medicados e morriam aos milhares pelos ferimentos ou por febre infecciosa.

A doença produziu uma significativa ruptura na vida do filósofo – ele teve de deixar para trás amigos, família, suas ocupações; tudo distanciou-se dele, e ele de tudo. O rompimento desses laços o empurrou outra vez para a solidão – só que desta vez profunda e definitivamente. Transformou-se, pouco a pouco, em seu próprio médico, prescrevendo a si mesmo regimes alimentares e valendo-se de diferentes drogas.Também tornou-se, na prática, seu próprio editor, porém, não tendo retorno, só gastos, empobreceu de modo progressivo.

Vivia de sua própria filosofia – errante e solitário. Nem a solidão, nem a enfermidade, nem a vida errante conseguem distanciá-lo de seu trabalho intelectual. Entre1883 e 1885, escreve aquela que seria sua obra-prima: Assim falava Zaratustra. A rotina da elaboração dos textos comprometeu terrivelmente sua saúde já debilitada. A partir daí, pode-se ver claramente como a vida e o corpo, a saúde e a doença, adquirem um valor central em sua crítica da moralidade cristã. Algumas vozes se levantaram louvando suas obras, mas eram muito dispersas e tardias, não conseguiam acrescentar algo de bom àquela solidão desamparada e àquela saúde atormentada.

Em 1888, o filósofo apresentou graves sinais de desequilíbrio mental. Em janeiro de 1889, sob forte tensão psíquica, foi visto abraçando um animal para protegê-lo das chicotadas do cocheiro, em plena praça de Turim. Nos dias subsequentes, escreveu várias cartas a amigos, cada uma delas assinada com um nome diferente – às vezes, Dionísio. Tomado por convulsões, passava da agressividade à doçura. O Dr. Willi diagnosticou nele “paralisia progressiva”. Foi internado pela mãe, dias depois, na clínica universitária de doenças nervosas em Jena. Quando saiu de lá, foi morar com a mãe em Naumburg. Entre 1891 e 1894, sua saúde só piora e muito rapidamente. Em 1892 já não reconhece os amigos que o visitam e tem repetidos acessos de fúria. Em 1893 sofre uma paralisia da espinha dorsal e é obrigado ficar numa cadeira de rodas. Com a morte de sua mãe, em 1897, Nietzsche fica em Weimar, sob os cuidados da irmã Elizabeth, que havia retornado do Paraguai, após sete anos de uma empreitada frustrada com o marido.

Nosso filósofo recebe o definitivo alívio de seu sofrimento por volta do meio-dia de sábado, 25 de agosto de 1900. Enfim... “Raramente um homem pagou um preço tão alto pelo gênio” (Will Durant).

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