quinta-feira, 3 de maio de 2012

ABRINDO CAMINHOS ATÉ NIETZSCHE (Parte III)

NIETZSCHE E A EUROPA DO SÉCULO XIX

Para melhor compreensão da filosofia nietzschiana, é necessário despojar-se de algumas concepções e valores culturais e religiosos, pois, de uma forma ou de outra, foram esses os atacados por esse filósofo. Isso não significa que o estudante deva abdicar de suas convicções ou ignorar seus valores em definitivo, não! Significa que seus valores e convicções não devem se impor aos temas e pontos estudados, sob pena de este estudo se tornar um embate de valores e convicções, o que não será nada proveitoso. No decorrer desta série, a maior compreensão dessa filosofia abrirá horizontes e perspectivas sobre seus próprios valores e convicções, de forma natural e proveitosa!

Compreender o universo nietzschiano é mergulhar na solidão, na doença e no contexto historicocultural do filósofo. Nenhum desses três elementos pode ser considerado isoladamente ou mesmo deixado de lado. Outro fator importante é manter sempre uma análise interpretativa e psicológica direcionada para os conceitos e representações do autor. Assim, um passeio pela História, mais precisamente pela Europa do século XIX, nos mostrará o contexto em que surge e vive nosso filósofo.

O excerto abaixo foi retirado de “Nietzsche e sua época”, publicado na revista Discutindo Filosofia Especial Ano 1 Nº1 (por uma questão de objetividade, clareza e espaço, os textos aqui apresentados poderão sofrer cortes e adaptações, sem prejuízo de sua informação):

“Nenhuma filosofia surge, por assim dizer, do nada. Intimamente ligada às circunstâncias de seu aparecimento, bem como aos pontos de vista que a introduziram, a Filosofia nietzschiana foi também criada em algum momento e em algum lugar.
A filosofia de Nietzsche abriga determinados valores e decorre de uma dada avaliação de seu tempo. [...] Comprometido com a crítica de nossos supremos juízos de valor, [Nietzsche] acreditava que o estudo das relações sociais só poderia adquirir o ápice de seu conteúdo com uma investigação retrospectiva das diversas morais que marcaram a História.
Avessa às tendências ideológicas dominantes na segunda metade do século 19, a filosofia de Nietzsche surgiu e amadureceu em contraponto aos movimentos que se insinuavam pela Europa adentro e, em especial, pelas janelas do mundo germânico – a unificação alemã industrial e a militarização da sociedade germânica”.

A Europa vivia um momento de reestruturação geopolítica e, consequentemente, a Alemanha, também. O filósofo, então, lança seu olhar sobre os acontecimentos e valores culturais de sua época, tecendo ali sua filosofia de contraposição. Aí, logo se vê que ele se tornará uma pedra no sapato do convencionalismo e do tradicionalismo, em vista de que percebe que “o valorar errado levou toda a Europa a um viver errado”. Esse papel de intérprete crítico e psicológico do seu tempo e do seu lugar exigirá dele que lance mão de novos valores e representações, sob pena de sucumbir às mesmas “velhas verdades e convicções” que vitimaram seus contemporâneos.

O trecho que vem a seguir foi extraído do meu artigo “O Crepúsculo dos Sonhos”, publicado pela Editora Escala em Coleção Guias de Filosofia – Nietzsche Vol. II:

“Antes mesmo que a Europa fosse o palco das duas Grandes Guerras, Nietzsche analisava a desilusão e a falta de esperança na vida da sociedade européia.
Na primeira metade do século 19, a Europa estava mergulhada em decepção e pessimismo. [...] O continente europeu tornara-se uma imensidão de miséria e sujeira, após o furacão chamado “Napoleão”. Nietzsche fora beber no realismo amargo (para muitos, no pessimismo de Arthur Schopenhauer). Era fácil perceber naqueles dias que a satisfação, ou felicidade, era mais incomum ou estranha à vida do que a dor e o sofrimento”.

A preocupação da Filosofia com os conflitos interiores e exteriores do homem são, como se sabe, os fomentadores do surgimento da Psicologia e da Sociologia. As guerras entre povos e nações, os conflitos políticos, a desagregação social, a submissão da razão à fé serão para Nietzsche a matéria-prima de sua nova filosofia.

“No limiar do pensamento contemporâneo, a filosofia enfrenta um desafio crucial: o questionamento do valor absoluto que se atribuía aos critérios que serviam como base à civilização ocidental. Com Nietzsche, começa-se a expor a fragilidade das certezas seculares” (Bernadette Siqueira Abrão).

Ler com atenção a obra de Friedrich W. Nietzsche nos fará entender o que seu papel como filósofo representou para a Europa do século XIX e como sua obra iria influenciar a cultura e outros pensadores do início do século XX.

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