quinta-feira, 17 de abril de 2014

O FIM DO MUNDO EM WWW

ZEPELINS, ROLEZINHOS E BUNDAS

Só quem é alienado ou está com a vida tão bem resolvida que não liga para o mundo à sua volta não percebe que estamos vivendo tempos em que coisas sem precedentes estão ocorrendo, aqui no Brasil e fora dele. Para as bandas de lá, todo aquele rebuliço iniciado com a Primavera Árabe, em dezembro de 2010, e agora mais essa da Rússia com a Ucrânia, e a velha “Guerra Fria” querendo esquentar o panorama político mundial. E aqui no Brasil, todas essas manifestações “por tudo em toda parte”, desde julho do ano passado, que, ao que parece, encontrará seu ápice neste auspicioso ano de Copa do Mundo e Eleições. Tudo isso sob os auspícios da “todo-poderosa Internet”, que liga “todo mundo a todo mundo”, junta ideias desconexas, vomita (des)informação, elege celebridades do besteirol generalizado, denuncia preconceitos de todas as espécies, gera processos inimagináveis, etc, etc.

Eu, que não me enquadro em nenhum dos casos da primeira linha deste despretensioso artigo, também “dou minhas cacetadas” por aí. E, vez por outra, não resisto a "meter o bedelho" em uns disparates que não consigo deixar passar em branco. Vamos a alguns!
As manifestações contra a realização da Copa do Mundo aqui no Brasil, acusando o Governo de gastar bilhões com estádios de futebol, enquanto a situação de hospitais e escolas existentes é degradante, sem falar naqueles que não inauguram ou não funcionam, demonstrando o total descaso com a saúde e a educação neste país, encontram os ecos mais efusivos e desproporcionais, que jamais se poderia imaginar. Um exemplo disto encontrei na seguinte declaração: “E eu, aqui, torço para que o fêmur de Neymar seja partido em dois lugares diferentes uma semana antes do início da Copa, e que todos os filhos que ele teve e terá, que todos sejam pernas de pau”. O autor é Sr. Marcelo Mirisola que, no perfil do seu blog, se diz considerado pela crítica como “o Pedro Alvares Cabral da autoficção aqui em nossas plagas” (embora eu não saiba o que “isso” significa). O mesmo Marcelo, linhas abaixo, na mesma postagem no seu blog, em 08/04/14, acrescenta: “O Brasil não precisa de jogadores de futebol, precisa de pilotos de dirigíveis, engenheiros, médicos para reconstituir o fêmur do Neymar, e professores de cálculo para ensinar os netos do seu Neymar da Silva Santos (pai do Neymar Jr.) que é mais fácil um dirigível cair na cabeça do Felipão do que o futebol tirar do zero a zero a vida daqueles que não tiveram a sorte de nascer de um gol de placa do camisa 11 da seleção – isso antes de ele ter o fêmur partido em dois, claro”.

Ora, caros leitores, o que temos aí, senão a extrema distorção da maneira como se deve protestar, rechaçar ou simplesmente opinar contra um evento? Por que o pobre (riquíssimo, aliás!) Neymar deve ser o bode-expiatório de uma problemática nacional, que nada tem a ver com ele, senão no tocante à palavra “futebol”? Terá ele, no entanto, que ter o fêmur partido e os filhos, que porventura gerar, como “pernas de pau”, só porque o sr. Mirisola é um dos milhares de brasileiros que pretendem ter voz e vez contra o evento, mostrando que têm atitude crítica ativa e contundente? Tenham a santa paciência! Que um zepelim carregue esse senhor, e todos os que tiverem opiniões disparatadas como a dele, para longe de nós, amém!

Também aqui em terras tupiniquins, jovens da periferia das grandes cidades, reivindicando “seu direito de ir e vir”, por onde quiserem, inclusive dentro dos luxuosos shoppings, frequentados por “Mauricinhos e Patricinhas”, filhinhos e filhinhas de papai que têm e podem tudo, resolveram programar pelas redes sociais encontros que passaram a chamar de “rolezinhos”, os quais deixaram apavorados clientes, proprietários e seguranças das lojas desses shoppings, porque quase sempre concomitantemente com esses “rolezinhos” também aconteciam “arrastões” e “saques” em lojas de grife. Os defensores dos direitos das crianças e adolescentes, carentes ou não, assim como educadores e outros profissionais afins, que se pretendem de vanguarda, manifestaram-se em favor dos “rolezinhos”, enquanto os shoppings reforçavam a segurança, criando assim maior revolta na turba juvenil e junto a seus defensores adultos e formadores de opinião. Por sua vez, as autoridades estaduais e municipais se faziam cautelosas em se contrapor ou tomar qualquer providência, no sentido de evitar esses “legítimos e inofensivos encontros da rapaziada”. Não demorou muito para que em algum lugar, onde aconteceu esses “encontros juvenis”, surgisse um representante, uma espécie de líder desses jovens. Tal representante era, nada mais, nada menos que o jovem Lucas Oliveira Silva de Lima, de 18 anos, intitulado “o Rei do Rolezinho”. Porém, sua liderança não lhe rendeu apenas os 15 minutos de fama, na Internet e no raio de alguns quilômetros de seu bairro. Ela também foi a causa provável de sua morte.

Vejamos o que escreveu a Srª. Laura Capriglioni em seu blog, também na data de 08/04/14, sobre a morte desse “famoso” adolescente: “No chão do baile funk, ficou o corpo do menino Lucas Oliveira Silva de Lima, 18, o Rei do Rolezinho. O delegado José Lopes, do 64º DP, diz que o garoto morreu espancado. “Traumatismo craniano causado por instrumento contundente”. E acrescenta em tom de dor e de reconhecimento do “herói” que tinha um futuro brilhante e extenso pela frente”: “O “Cocão, menino do morro”, como se denominava, tinha 57.480 seguidores no Facebook, a maioria garotas. Era um ídolo. Orgulhoso, assumia suas origens. Escola: Favela. Moradia: Itaquera, zona leste”. A autora do blog lembra, em tom de desabafo, os primeiros “momentos de glória” do rapaz: “Em janeiro, Lucas tornou-se celebridade, depois de organizar um rolezinho no Shopping Itaquera, vizinho de sua casa, na favela da Vila Campanela. Três mil adolescentes participaram, cantando as letras desafiadoras do funk. A polícia interveio com bombas de gás”.

Muito bem, me pergunto “quem foi esse jovem Lucas? Um arruaceiro, um mártir juvenil ou uma pobre vítima de uma sociedade cujos valores há muito se perderam?”. Concluo, sem muita dificuldade, que nossa sociedade tateia às escuras, não apenas destituída de qualquer valor moral ou social, mas também como triste produtora de valores idênticos a moedas de ouro falsas – que conseguem por algum tempo ludibriar os incautos e fazer negócio, mas logo são descobertas e descartadas, elas como lixo e seus fabricantes como escória da sociedade. Penso que a juventude deve ter, sim, seu direito de ir e vir preservado e garantido, mas deve também exercê-lo não com “libertinagem” e ao “bel-prazer”. Muitos adolescentes (muitos mesmo!) engajam-se em manifestações e eventos considerando apenas a oportunidade de “ter diversão a qualquer custo”, e desconsiderando que o mundo (resumido à sua cidadezinha ou a seu pobre bairro, que seja) está longe de ser um parque de diversões.

O espaço público deve ser pensado com sendo “meu” e “não meu” – quase um paradoxo, mas não é – pois isso significa (ou, pelo menos, deveria nos fazer lembrar) que há um “contrato social” que nos faz apenas “sócio” desse espaço comum e que, portanto, prevê que há outros que precisam “concordar” com o tipo de uso que fazemos desse espaço. Desconsiderar essa “cláusula” é ferir esse “contrato”, o que faz de qualquer cidadão, não importando sua idade ou classe social, um “infrator” dos direitos sociais já conquistados e simbolicamente acordados, quando fazemos parte de uma comunidade. Para que um evento seja considerado inofensivo e pacífico é preciso que se demonstre nos fatos reais, observáveis; em suas consequências imediatas e posteriores. Enxergar a juventude deste país apenas como carente de oportunidades e esquecida pelas autoridades, em suas instâncias municipais, estaduais e federais, é perceber apenas uma das facetas de uma triste realidade. As razões, que se tornam causas efetivas nos eventos reais, precisam ser analisadas e também corrigidas, não apenas glorificadas para justificar seus efeitos.

Por último, mas não por fim, temos ainda o caso do professor de Filosofia que também queria os seus 15 minutos de notoriedade nacional, e conseguiu. Na prova que elaborou para alunos do Ensino Médio de uma escola em Taguatinga, no Distrito Federal, incluiu uma questão em que citava a cantora de funk, Valesca Popozuda, famosa mais pela protuberância que traz entre suas costas e suas coxas do que propriamente por suas “produções líricas” (que ela e seus admiradores insistem em chamar de “música”), como “grande pensadora contemporânea”. O nome do professor? Antonio Kubitschek, isso mesmo, Kubitschek! Apesar de toda a polêmica que sua questão produziu, ele ainda se fez hábil em argumentar, numa entrevista para a rádio Band News FM, dizendo o seguinte: “Se eu tivesse colocado Chico Buarque como grande pensador contemporâneo, não teria causado polêmica nenhuma”.

O Sr. Kubitschek, ao que parece, não vê qualquer diferença entre as “letras e melodias” buarquianas e as da Popozuda, o que me faz duvidar duplamente de suas concepções: será que ele sabe o que é música? Será que ele ao menos suspeita o que seja Filosofia? Como se tudo isso não bastasse, ainda encontrei pela Net esta “bela argumentação” da professora Bruna Mitrano, da rede pública do município do Rio de Janeiro, que parece aliar-se ao pensamento do professor Kubitschek: “Nada contra a Popozuda, já usei letras de funk em aula. A polêmica com a Valesca ficou no epíteto “grande pensadora contemporânea”. Pensadores todos somos, contemporâneos também, mas quem julga o que é grande?”.

O que temos aí, caros leitores? Professores inseridos em seus contextos socioculturais, tentando “falar a língua” dos seus jovens alunos, ou, visto por outro ângulo, a comprovação de que, em vez de certos educadores tentarem elevar o grau de qualidade cultural dos nossos jovens, utilizam-se do “lixo” que está aí, entrando pelos ouvidos, destruindo os miolos de jovens e adolescentes, à força da massificação midiática, radiofônica, televisiva, etc, etc, para se tornarem “o professor queridinho dos seus alunos”? Comparar Valesca Popozuda a Chico Buarque, como sendo ambos “grandes pensadores contemporâneos”, ou usar letras do funk, para atrair o interesse dos alunos pelas aulas, denunciam por si mesmos a péssima qualidade da Educação, que passa não só pelo descaso dos governantes, mas também por dentro e por fora das escolas – no seu entorno, nas diretorias, nas salas dos professores, na sala de aula –, enfim, onde quer que se pretendesse “respirar” conhecimento, educação e cultura.

O problema não está no funk! Poderia ser o rock, o samba, o pagode, ou qualquer outro estilo musical. É preciso perceber a problemática em sua inteireza, embora esteja nos detalhes o ponto crucial. Se uma música, seja qual for seu estilo, faz apologia ao uso de drogas, ao tráfico de drogas, ao estupro, à ostentação, à pedofilia, à violência, ou coisas do gênero, como eu, professor, posso utilizar tal música como ferramenta de transformação sociocultural dos meus alunos (já que essa é uma das funções básicas da Educação)? Similarmente, qual a utilidade de fazer referências aos propagadores dessas letras e melodias e ainda lhes conferir “epítetos” que os valorizam ainda mais diante dos seus jovens admiradores? Fazendo assim, ao invés de conduzir nossas “pobres ovelhas” ao pasto, estaremos levando-as exatamente para o covil dos lobos. Será isso mesmo que queremos?

Como vemos, caros leitores, vivemos momentos difíceis até mesmo para a reflexão. Sobreviver entre tantos “manifestantes”, “líderes de classes sociais”, “filósofos”, “pedagogos”, “blogueiros”, “pensadores”, “formadores de opinião” e outros “bichos-de-sete-cabeças” (ou nenhuma), não tem sido uma tarefa tão simples quanto outrora. Tudo isso me leva a enxergar um quadro sombrio bem à nossa frente. Talvez por isso mesmo, esta noite, tive um terrível pesadelo: sonhei que a 3ª Guerra Mundial se realizava no Universo WWW. Um vírus letal destruíra nossas ideias, nossos pensamentos, nossas mensagens, nossas imagens e tudo mais que tenhamos postado nas redes sociais, enviado por e-mail e compartilhado com os que concordam (as forças aliadas) ou não (as forças inimigas) conosco. Nosso “day after” era ainda mais terrível. Nenhum zepelim nos vinha resgatar de nossas insignificâncias, ninguém tinha força ou vontade para participar de um “rolezinho” qualquer, não havia mais escolas ou qualquer instituição de educação, não sabíamos mais distinguir o som produzido por uma orquestra de um barulho qualquer. E quando parecia que nada mais restava sobre a face da Terra, apareceu, na tela dos nossos computadores e afins uma imensa bunda, que crescia assustadoramente na tela até nos “devorar” a todos. Nem mesmo tivemos tempo de compreender que aquela bunda descomunal era o que sempre foi posto para nós como a coisa mais “sagrada e misteriosa” de nossas vidas – aquela bunda monstruosa era “Deus”. Felizmente (ou não!), eu acordei e disse para mim mesmo: “Eu tive um pesadelo!”.

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