segunda-feira, 13 de junho de 2011

QUANDO A LITERATURA PÕE O PÉ NA ESTRADA

LITERATURA "ON THE ROAD"

O artigo abaixo foi escrito por Amália Pimenta, escritora de ficção e professora da rede particular de ensino de São Paulo, para a Revista Conhecimento Prático Literatura.

Jack Kerouac - As pegadas que sua estrada deixou na literatura
Em tempos de blogs, twitter e demais iniciativas relacionadas à internet, é muito difícil ouvirmos falar de uma carreira literária começando pelos antigos "meios comuns". por outro lado, carreiras continuam começando; seja por meio de editoras tradicionais, empreendimentos pessoais ou clubes de autores, a ambição de trespassar as fronteiras da internet e ser publicado em livro ainda permanece.

Ao acompanhar blogs de pretensos escritores é inevitável perceber que, dentre muitos, apenas alguns se destacam. No afã de chamar a atenção em um mar de outros escritores, bons ou ruins, grande parte dos autores parece acometida de uma necessidade de desconstruir a linguagem ou a própria literatura. Às vezes conseguem algo de qualidade; mais frequentemente, seus escritos soam como tentativas fracas de reinventar a roda.

O que falta a grande parte é um conhecimento maior da própria literatura. É difícil fazer algo que nunca foi feito sem conhecer o que já foi feito. Peguemos um exemplo comum:

Muitos autores iniciantes buscam uma narrativa rápida, natural, mais próxima da fala que da escrita formal. Montam seus personagens principais baseados (de propósito ou não) neles mesmos, em seus amigos e em seus heróis. Almejando o que se propõe uma narrativa urbana, próxima da própria realidade, buscam inspiração em suas próprias experiências, ainda que sem grande comprometimento com a verdade. Não percebem seus colegas fazendo o mesmo, não percebem que tudo isso já foi feito antes, muito antes dessa geração.

Um interessante livro de humor lançado recentemente nos Estados Unidos, chamado Twitterature, se ocupa em “recontar” livros clássicos como se fossem narrados em perfis do Twitter. Em duas ou três dúzias de frases rápidas e irreverentes, com menos de 140 caracteres cada, seguindo a regra e costume da rede social, recontam, com bom humor, romances como Orgulho e Preconceito e O Retrato de Dorian Gray. O curioso para nós é que o capítulo dedicado a recontar On the Road contém apenas a frase: “Para a versão twitter de On the Road, de Jack Kerouac, consulte On the Road, de Jack Kerouac”.

Jack Kerouac, muito antes desta geração que hoje vemos, passou pelas mesmas dúvidas e desejos. Ele não apenas sonhava em ser escritor, como conhecia os autores que vieram antes e os autores de sua própria época, sabia de suas próprias influências. E, principalmente, sabia qual era a história que queria contar, e ela não era sua própria história – ainda. Para se sentir apto a escrevê-la, decidiu vivê-la.

Comecei a aprender com ele, tanto quanto ele provavelmente aprendeu comigo. Quanto ao meu trabalho, ele dizia: — Vá em frente, pois tudo o que você faz é bom demais. — Enquanto eu redigia minhas histórias, ele observava por cima de meus ombros e berrava: — Uau, cara, tanta coisa a fazer, tanta coisa a escrever! Como ao menos começar a pôr tudo isso no papel, sem desvios repressivos, sem tantos grilos, essas inibições literárias e temores gramaticais?

É quase como se existissem duas versões de poeta americano Neal Cassady (1926 - 1968). A primeira é o homem real, a segunda é o fictício, tantas vezes descrito por Kerouac e outros escritores beat.

Dentre os que escreveram sobre ele, Alan Ginsnberg também o descreveu em Howl como “o herói secreto destes poemas”. Graças ao conteúdo polêmico de On the Road, sobre o seu “eu fictício”, que o “herói secreto” chamou a atenção da polícia e acabou preso por porte de droga; por outro lado, graças à atenção que On the Road recebeu, além de todo o assunto em torno da literatura beat, que a obra de Cassady foi lida e apreciada. Seu livro O primeiro terço pode ser encontrado em português, em versão de bolso da L&PM Pocket.

On the Road, de 1957, é um dos livros mais importantes da literatura norte-americana. Quase totalmente biográfico, a ponto de ser difícil apontar o que é ficção e o que é realidade, conta a história de Sal Paradise, o narrador, em suas viagens pelos Estados Unidos. Paradise é escritor e alter ego confesso de Jack Kerouac, o autor, assim como Dean Moriarty, companheiro de viagens de Paradise, é alter ego de Neal Cassady, companheiro de viagens de Kerouac na vida real. É muito possível que não haja um único personagem fictício em On the Road, ainda que todos os nomes o sejam.

Não há um enredo propriamente dito em On the Road. Há os personagens e há a viagem, tão fantásticos quanto críveis. Paradise e Moriarty viajam por anos pelas estradas americanas, de carona, sem nenhum destino. No caminho encontram todo tipo de gente, de drogas, de música, de aventuras e de sexo, mas também encontram de certa forma a própria espiritualidade e um reverente amor pelo planeta Terra. A prosa é ligeira e acessível, trazendo grande prazer à leitura. Em tudo isso, é um romance muito diferente do que se fazia na época e, especialmente, trazia em si mensagens muito diferentes das propagadas na época. Não há “valores americanos” ou o propagado “american way of life”. Em seus lugares se encontram o realismo e a falta de glamour – e o anseio de transmitir, em seus escritos, as experiências vividas durante as viagens.

On the Road viria influenciar novas gerações de escritores e até mesmo de músicos, cineastas e artistas plásticos, além de afetar profundamente o comportamento social dos jovens americanos. A geração que se tornava adulta nos anos 1960 optava por uma vida alternativa, não individualista, valorizando a contracultura, o amor livre, o sentimento de comunidade, a postura pacifista, a liberdade de ser e pensar, a não aceitação das diferenças raciais, a resistência contra o estado opressor, a rebeldia política e tudo mais que a marcou como tão diferente das gerações anteriores. No Brasil, Jack Kerouac e a ‘geração beat’ influenciaram, direta ou indiretamente, entre outros escritores (prosadores e poetas), Lindolf Bell, Jorge Mautner, Claudio Willer, Rodrigo de Haro, Paulo Leminski, Antonio Bivar e Roberto Piva.

On the Road viria influenciar novas gerações de escritores, músicos, cineastas e artistas plásticos, além de afetar profundamente o comportamento social dos jovens americanos.

Joual - Nome dado para o dialeto do francês falado no Canadá, especificamente na região de Montreal, inclusive considerado um dialeto social da classe trabalhadora daquela região. O dialeto, apesar de derivado do francês, possui diversas palavras “vindas” do inglês. Até hoje é falado na região; praticamente todos os adultos com origens na classe trabalhadora sabem pelo menos um pouco de joual. Kerouac escreveu algumas pequenas obras em joual, mas não dominava a língua com fluidez – cometia enganos, por exemplo, nas conjugações verbais.

Segundo o próprio Kerouac, On the Road era uma história sobre dois amigos católicos em uma viagem, acima de tudo espiritual, tentando encontrar Deus entre as estradas dos Estados Unidos. Talvez eles tenham encontrado, talvez não. Mas o leitor mais jovem encontra identificação com os próprios questionamentos, enquanto o leitor mais cuidadoso encontra os grilhões da gramática e da linguagem formal sendo elegantemente rompidos em nome de uma história a ser contada.

ANTES DA ESTRADA
Filho de pais franco-canadenses nativos de Quebec, Jean-Louis Kerouac nasceu em 12 de março de 1922 na cidade de Lowell, Massachusetts. Apesar de nascido nos Estados Unidos, só aprendeu a falar inglês fluente com cerca de 6 anos. O primeiro idioma que aprendeu foi o dialeto franco-canadense chamado joual, fato que mais tarde seria fundamental para sua escrita, influenciando ritmo e vocabulário. Mesmo adulto, ele continuaria falando apenas em joual com a mãe.

Dois outros fatores de sua infância seriam essenciais em suas obras. O primeiro foi a religiosidade; o garoto era bastante apegado à mãe, católica devota, e a fé dela o acompanharia para sempre. Uma das frases mais emblemáticas de Kerouac foi dita em meio ao furor em torno do que começava a ser chamado de ‘geração beat’, furor este acompanhado de questionamentos e cobranças: “Eu não sou um ‘beat’, mas sim um estranho e louco místico católico”. Com 6 anos de idade narrou ter ouvido a voz de Deus, que lhe dizia que passaria por muitos sofrimentos na vida, mas algum dia encontraria a salvação.

O que Kerouac entendia muito bem – e até hoje ensina para os dispostos a perceber – é que o bom uso da transgressão depende do conhecimento da regra.

Um místico, nas religiões e na filosofia, é alguém que experimenta uma comunhão perfeita com seu deus, seja um deus per se ou o espírito da natureza, cósmico, universo. Por alguns fantásticos momentos o místico “se perde” em deus, experimentando-se como parte de um todo muito maior. O místico cristão Angelus Silesios (1624-1677) assim definiu:
“A pequena gota se transforma em mar quando chega até ele, e assim a alma se transforma em Deus quando é nele acolhida.”

O segundo fator foi a morte de seu irmão, Gerard, de febre reumática. Em seu leito de morte Gerard, de apenas 9 anos, contava ter tido visões da Virgem Maria; freiras o cercavam, convencidas que o garoto era um santo. Mais tarde Kerouac contaria essa história no romance Visions of Gerard. O luto fez com que sua mãe se fechasse em sua fé, enquanto seu pai se perdia no álcool e no jogo.

Foi apenas graças ao seu talento para o futebol americano que Kerouac entrou para a universidade, por causa das bolsas oferecidas a atletas pelas universidades americanas. Na Universidade da Columbia escreveu artigos esportivos para o jornal produzido pelos estudantes, mas ainda calouro fraturou a tíbia em um jogo e acabou por sair tanto do time quanto da universidade.

Chegou a se alistar no Exército, mas por um tempo continuou morando em Nova York, onde conheceu as pessoas que mais tarde reencontraria em São Francisco e com as quais sempre seria associado: a geração beat, incluindo o poeta Allen Ginsberg, Neal Cassady, John Clellon Holmes, Herbert Huncke e o escritor William S. Burroughs.

A GERAÇÃO BEAT
(...) porque, para mim, pessoas mesmo são os loucos, os que estão loucos para viver, loucos para falar, loucos para serem salvos, que querem tudo ao mesmo tempo, aqueles que nunca bocejam e jamais dizem coisas comuns, mas queimam, queimam, queimam como fabulosos fogos de artifício, explodindo como constelações em cujo centro fervilhante — pop — pode-se ver um brilho azul e intenso até que todos ‘aaaaaaah!’
On the Road (Pé na Estrada), Jack Kerouac, tradução de Antonio Bivar


A Segunda Guerra Mundial havia encontrado seu fim não fazia muito tempo, suas sombras ainda pairando sobre as pessoas. Suas cicatrizes e consequências eram visíveis por todos os lados. Mas os jovens intelectuais já estavam encontrando seu próprio caminho, independentemente dos traumas do mundo, influenciados pelo Existencialismo (e, em parte, pelo Surrealismo) europeu.

O grupo que viria a ser o primeiro chamado de The Beat Generation chamou atenção por ser formado de escritores e demais pessoas da mídia. Seus escritos começavam a delinear um movimento literário inconformista e anárquico. E de repente parecia que aqueles jovens estavam por todos os cantos dos Estados Unidos, com seus experimentos com drogas e diversas expressões de sexualidade, seu interesse pelas religiões orientais e pelos indígenas americanos, seu exagero em toda forma de ser e expressar, sua tendência a cair na estrada na primeira oportunidade.

O nome do movimento foi dado por Kerouac para descrever os jovens inconformados que se encontravam no submundo de Nova York no final dos anos 40. Kerouac acabou por se tornar a figura-chave daquela geração, de certa forma seu porta-voz. Entre os mais conhecidos membros do movimento estavam Allen Ginsberg, William S. Burroughs, Lawrence Ferllinghetti, Gregory Corso e Neal Cassady. Juntamente com On the Road, as outras duas obras centrais do movimento beat são Howl, de Allen Ginsberg (1956) e Almoço Nu, de William S. Burroughs (1959). Howl é uma poesia forte, beirando o escandaloso, que demonstra grande domínio da linguagem. Almoço Nu conta a história de um ex-viciado em drogas que se vê envolvido com uma realidade absolutamente psicodélica.

A literatura que produziam era chocante a um ponto que, forçando ao máximo as leis americanas de censura então vigentes (os Estados Unidos ainda estavam sob as trevas do macartismo), acabaram por ajudar a derrubá-las. Outras consequências diretas ou não do seu aparecimento foram o fortalecimento do rock’n’roll e o início das discussões sobre ecologia, pacifismo e direitos dos gays, dos negros e das mulheres. A geração beat seria, mais tarde, uma das maiores influências dos hippies, grandes pregadores do pacifismo e da liberdade na América.

A ESCRITA E A ESTRADA
O que Kerouac entendia muito bem – e até hoje ensina para os dispostos a perceber – é que o bom uso da transgressão depende do conhecimento da regra. Não existe escrita coloquial que soe bem na ausência de conhecimento de gramática, assim como não adianta fazer um desenho torto sem conhecimento da técnica, e dizer que é o novo Picasso.

Kerouac lia muito; quando começou a escrever, escrevia muito. Não tinha em mente nenhum outro futuro que não fosse ser um escritor, e toda sua vida – mesmo toda a loucura inserida nela – foi como um ensaio para suas histórias. Escreveu dezenas de obras, entre romances, contos e poesias. Quando morreu, deixou um espólio de diversos trabalhos jamais publicados, incluindo o começo de uma versão em francês de On the Road.

Thomas Clayton Wolfe (1900–1938) é um dos mais importantes escritores da literatura americana; foi um notável novelista, que William Faulkner considerava o melhor escritor de sua geração. Suas obras publicadas entre os anos 1920 e 1930, com toques autobiográficos, refletem sobre a cultura americana e os costumes da época, filtrados por sua perspectiva sensível, sofisticada e hiperanalítica. A influência de Wolfe está presente em Jack Kerouac, Ray Bradbury e Philip Roth, entre outros autores.

A forma de Kerouac alcançar como gostaria Seu primeiro romance, Cidade pequena, cidade grande, possui o estilo de escrita mais convencional. A influência de Thomas Wolfe pesava sobre toda a obra e parte da busca de Kerouac por um estilo mais solto e coloquial vinha justamente de encontrar o próprio estilo, da tentativa de deixar a sombra do ídolo.

Procurando afastar-se dos gênios literários que admirava, Kerouac teve dois grandes escapes: a música e os amigos. Mais que em Thomas Wolfe, mais que em F. Scott Fitzgerald, era na música e nos amigos (na loucura de ambos, talvez) que Kerouac encontrava o tom exato, o ritmo exato que queria alcançar.

O jazz é um estilo musical bastante calcado em improvisações, especialmente a subdivisão dele chamada bebop. No bebop o mais importante é a improvisação, arranjos construídos intuitivamente, acordes puxando acordes para construir a música na hora. Era o estilo que mais fascinava Kerouac, justamente por não estar preso às convenções tradicionais e ainda assim possuir seu próprio ritmo, bem construído, apreciável, bonito.

Lançado no Brasil com o duvidoso nome de Mistérios e Paixões, o filme baseado em Almoço Nu faz jus ao livro. Dirigido pelo canadense David Cronenberg (Marcas da Violência) e estrelado por Peter Weller (Robocop), o filme segue a mesma história do homem viciado em inseticida. O filme chama a atenção não apenas por ser tão bizarro e fantástico quanto o livro, imergindo o espectador na loucura que o protagonista vive, mas também porque as criaturas fantásticas apresentadas são muito bem feitas e convincentes.


E havia os amigos. Com o tempo, mais e mais os beats se tornavam uma “turma”, mais e mais influenciavam uns aos outros. Não há como andar com gente como Fulano, Cicrano e o próprio Kerouac sem ser influenciado. E havia os “incidentes literários”, como a famosa carta sobre Joan Anderson, escrita por Neal Cassady. Ela contava uma das muitas noites impossíveis da vida de Cassady, quando teve que sair correndo, nu, da casa de uma namorada, fugindo de ser pego pelos pais dela. A narrativa absolutamente coloquial e completamente deliciosa prendeu a atenção de Kerouac, que encontrou ali o tom exato que queria para sua escrita, particularmente para On the Road. Uma história dividida entre amigos, contada com tranquilidade e humor, mas sem por um único segundo perder de vista seu poder literário.

Para Kerouac não bastava escrever, não bastava receber dinheiro para isso. Era necessário escrever sobre seu mundo e sobre o que sentia necessidade de escrever, tanto quanto era necessário construir com seus livros algo de real valor, algo que passasse pelo seu crivo extremamente exigente.

Costuma-se dizer que Kerouac escreveu On the Road em um fôlego, durante dias, jogou os manuscritos nas mãos de seu editor e voltou para a bebida. Não deixa de ser condizente com a propaganda do movimento beat, mas não corresponde à total verdade. On the Road foi cuidado, trabalhado e reescrito, além de ter sido rejeitado por diversas editoras. Por fim, referências explícitas a detalhes polêmicos, como o laço homossexual dos personagens Dean Moriarty e Carlo Marx (cujos correspondentes na vida real realmente se envolveram), foram deixados fora da versão final a pedido dos editores que aceitaram publicá-lo. Kerouac os acusou de quererem “uma estrada sem nenhuma das suas curvas”, mas cedeu. Era um preço a pagar, talvez pequeno perto da chance de escrever a história que queria e, na maior parte, sob seus próprios termos. E o livro foi um absoluto sucesso.

Em uma carta a Marlon Brando, em 1950, Jack Kerouac lhe disse para “rezar para que fosse feito um filme” de On the Road. Sam Riley (Control) irá representar Sal Paradise, Kristen Stewart (Twilight) será Marylou e Garrett Hedlund (Tron Legacy) vai viver Dean Moriarty.

Há diversas histórias diferentes sobre como e quando o cineasta Francis Ford Coppola comprou os direitos para filmar On the Road. As lendas divergem em larga escala de tempo, desde Coppola ter comprado ainda os anos 60 até já no final dos anos 80. Também se conta sobre Jean-Luc Godard demonstrando imenso interesse por dirigi-lo, pretendendo Dennis Hooper para protagonizá-lo. O que importa é que ninguém nunca havia conseguido dar impulso à empreitada. O livro era considerado “infilmável”: o que se fazer, no cinema, com uma história narrada em linguagem coloquial, em primeira pessoa, passada em velocidade alucinante e constantemente na estrada? De alguma forma ele descobriu como, e no momento em que este texto é escrito o filme está em pós-produção e se nada der errado o lançamento será ainda em 2011.


Dirigido pelo brasileiro Walter Salles, o filme é protagonizado por atores jovens (como os próprios personagens) e foi filmado em seis meses. As locações passaram por Montreal, Nova Orleans, San Francisco, Novo México e Argentina, uma proeza, em tão pouco tempo. Até onde se sabe, o roteiro não se furtou de nada; nem das polêmicas, nem da estrutura pouco convencional da história.

Depois de On the Road Kerouac continuou escrevendo, inclusive ensaios sobre escrever espontaneamente. Um deles foi intitulado Crença e Técnica para Prosa Moderna, uma lista de 30 conselhos “essenciais”. Em tradução livre, seguem alguns deles:

Rabisque anotações secretas e páginas datilografadas com selvageria, para sua própria diversão.
Esteja disposto a tudo, aberto, prestando atenção.
Seja apaixonado pela própria vida.
Escreva o que você profundamente desejar, do mais profundo de sua mente.
Remova inibições literárias, gramaticais e sintáticas.
Como Proust, seja um viciado no tempo.
Escreva em homenagem e admiração por si mesmo.
Aceite suas perdas.
Acredite na linha sagrada da vida .
Não tenha medo ou vergonha da dignidade da sua experiência, sua língua e seu conhecimento.
Redija de forma selvagem, indisciplinada, pura, que venha de dentro, quanto mais louca melhor.

Como sua obra, sua vida também foi vivida sob seus próprios termos, entre revelações religiosas e exageros profanos.

Também conhecido como haikai ou haiku, consiste em uma refinada forma de poesia curta japonesa, normalmente de temática voltada à natureza, como as estações do ano e as flores. Apesar da tradição japonesa, hai-cais são bastante populares no Brasil e sua estrutura fixa funciona muito bem na língua portuguesa. Dentre os praticantes (dos famosos como Millôr Fernandes aos anônimos internet afora) grande parte foge aos temas naturais tradicionais do hai-cai japonês, escrevendo sobre amor, solidão, política, infância, humor etc. Sempre de três linhas,o tradicional é que os hai-cais possuam dezessete sílabas poéticas, 5-7-5, mas muitos autores buscam outras possibilidades.

Seguindo os próprios conselhos, escreveu diversos romances, além de poesia (incluindo hai-cais), contos e de também ter gravado alguns discos com suas leituras. Dentre as obras disponíveis em português, além do próprio On the Road – Pé na Estrada e do já citado Cidade Pequena, Cidade Grande, estão Big Sur, a história da decadência física e mental de Jack Duluoz, alter ego de um Kerouac alquebrado pelo sucesso de On the Road; o belo Tristessa, escrito em indefectível prosa poética, sobre um poeta americano que se apaixona por uma prostituta mexicana; Os Subterrâneos, segundo alguns a obra mais marcantemente beat de Kerouac, sobre um homem que faz parte de um grupo de amigos que vivem de bar em bar e um amor partido pelo preconceito. Todos são bastante autobiográficos, como é a praxe do autor. Também são fáceis de achar em português as edições de Nuvens de Iowa, de poesias e hai-cais; Satori em Paris, Viajante Solitário e Anjos da Desolação, autobiográficos e totalmente não ficção; E Os Hipopótamos Foram Cozidos em seus Tanques, seu primeiro romance, escrito a quatro mãos com William S. Burroughs e baseado em um crime passional real: o assassinato de David Kammerer pelo adolescente Lucien Carr, ambos amigos de Burroughs e Kerouac

Como sua obra, sua vida também foi vivida sob seus próprios termos, entre revelações religiosas e exageros profanos. O excesso de drogas e álcool causou uma cirrose que o levou à morte, em outubro de 1969. Em março de 2011 Kerouac teria completado 90 anos.

Ninguém se torna um escritor da noite para o dia. Apenas depois de ter acumulado conhecimentos sobre literatura, sobre a estrada, sobre amizades e sobre a vida, Jack Kerouac desconstruiu todos eles para escrever sua obra-prima.

Nossa sofrida bagagem estava ali, amontoada mais uma vez na beira da calçada; tínhamos um percurso muito maior pela frente. Mas estava tudo bem, a estrada é a vida. On the Road (Pé na Estrada), Jack Kerouac, tradução de Antonio Biva.

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