sexta-feira, 20 de janeiro de 2017

MORAL, ÉTICA E RELIGIÃO - COMO DESCONSTRUIR ESSES ÍDOLOS






             O homem comum[1] (esse “produto industrial da natureza”, como dizia Arthur Schopenhauer[2]) dificilmente consegue admitir a ausência da “moral” em sua vida e na dos seus semelhantes. Isso porque, além de ter nascido numa sociedade cuja cultura se baseia na necessidade de códigos morais, moral compreende moralidade, ética e valores comuns, que facilitam o convívio social, assegurando, ou melhor, dando a sensação de que todos concordam e vivem segundo esses códigos. Mas como é fácil comprovar, tal sensação não passa de “falsa sensação”, teoria sem comprovação prática, pois a sociedade não pode contar com essa certeza – a certeza de que todos seguem esses códigos morais. Com isso cai também por terra a ideia de que a moralidade serve para conter os instintos animalescos dos homens, trazidos dos tempos remotos, chamados primitivos; de que a ética guia os atos humanos nesta ou naquela atividade; de que os valores se impõem como superiores, servindo aos seres humanos como pontos de referência em suas vidas. A moral diz dos costumes, regras, tabus e convenções estabelecidas por cada sociedade; ela orienta o que é moral ou imoral, certo ou errado, bom ou mau – isso não quer dizer que é seguida por todos os cidadãos em todas as circunstâncias, e é bem aí que está sua vulnerabilidade. Diante dessa perspectiva da moral, há os que se dizem ou são chamados de moralistas (aqueles que querem impor a moral vigente sobre os seus pares), os imorais (que não seguem a moral vigente) e os amorais (que não consideram qualquer tipo de moral).

            Em todas as culturas, entre todos os povos, a verdade sempre reinou imponente sobre a mentira e foi ensinada a ser zelada desde a infância, para gerar homens íntegros, nos quais se pode confiar. A verdade é tida como a afirmação do que é correto, do que é seguramente o certo e está dentro da realidade apresentada. Será? Ou, segundo o caso e as circunstâncias, ela se deixa corromper em nome de indivíduos ou grupos que detém o poder local, tornando-se questionável? Será que a verdade é uma só ou está sujeita a interpretações? Há verdades que ganham status pela tradição ou pela força da autoridade, as quais geralmente não são questionadas e sim aceitas com uma naturalidade suspeita.

            Desde tempos remotos, o homem instituiu seus cultos a entidades invisíveis, considerando que estas moviam as forças da natureza e podiam causar-lhes o bem ou o mal. O temor diante do desconhecido e a impotência perante situações como o sonho e morte se encarregaram de povoar o imaginário dos seres humanos daqueles tempos com inúmeras crendices que deram origem às religiões. Religião tem sua origem nas palavras religio e religare[3], as quais significam o ato de se religar a alguma força ou ser superior. A Religião não se manteve uma só. Cada povo em cada época desenvolveu sua maneira peculiar de adorar e entrar em contato com seu deus ou deuses, criando para si cultos, modelos de adoração, que se diversificaram muito ao longo dos séculos. Esse deus ou deuses tinham poder sobre o bem e o mal, ou também poderiam ser apenas do bem ou apenas do mal, segundo esta ou aquela crença, assim, quando se queria obter um benefício, faziam-se oferendas ou sacrifícios ao(s) deus(es) do bem e quando se queria atingir um inimigo com um malefício, recorria-se da mesma forma ao(s) deus(es) do mal. Essas oferendas e sacrifícios podiam ser de sangue, de animais ou de pessoas que, embora horrendos, eram feitos com naturalidade, e até sob certa festividade, pelos cultuadores. O certo é que as religiões que vingaram até nossos dias agora disputam o monopólio de ser as que cultuam o deus ou deuses verdadeiros. Algumas religiões ainda possuem traços de seus rituais primitivos, enquanto outras apenas reafirmam constantemente seus rituais e dogmas, embora adaptando-os aos novos seguidores.


            
               Moral, verdade e religião andam praticamente juntas e caracterizam o tipo de pessoa que se é, ou seja, falam do caráter de cada ser humano. Não é raro entre os homens comuns se acreditar que aquele que não se comporta segundo a moral vigente, não prima pela verdade e o que não professa uma religião é um ser humano sem caráter e perigoso para o bem-estar social. Assim, essas três senhoras distintas são tidas como as aferidoras do tipo humano, nesta ou naquela sociedade, nesta ou naquela época. Desta forma, moral, verdade e religião são as novas deusas da humanidade, mesmo que aqui e ali se diversifiquem e até divirjam. Embora muitas pessoas, dos últimos séculos para cá, tenham se rebelado contra elas e questionado seus papeis como referência do tipo “bom homem”, há ainda uma multidão de outras (a grande maioria) que as teem como verdadeiros ídolos.


            É bem aqui que este trabalho põe seu foco e, tomando por referência principalmente a obra do filósofo Friedrich W. Nietzsche, vai lançar um outro olhar sobre esses “ídolos”, de forma a demonstrar como teem pés de barros, que são vulneráveis a qualquer criteriosa investigação e que sua fragilidade jaz na própria origem de cada um deles. A que se dizer também que o intuito precípuo deste trabalho não é simplesmente desconstruir esses ídolos, deixando escombros onde eram edificações aparentemente sólidas, e sim dar destaque a novíssimos critérios de avaliação da humanidade que não se estabeleçam por valores confirmadamente frágeis, que se estabeleceram, como já foi dito acima, pela força da tradição e da autoridade.

            Pois bem! Quando se utiliza da obra nietzscheana para elencar argumentos contra valores, ideias e crenças fortificadas durante séculos, é preciso que se saiba de antemão da dificílima tarefa que isso representa e que se tenha um bom domínio de toda a sua filosofia, e não apenas fragmentos dela. As ponderações, as máximas apresentadas por Nietzsche são tão profundas que não nos deve tentar interpretá-las, isto é, usar abusivamente nossas próprias palavras para transmiti-las. O perigo de deturpá-las é muito grande e tentador. Isso não significa dizer que não possamos, nós mesmos, apresentar o pensamento nietzscheano para os outros, significa que melhor será apresentá-lo com suas próprias palavras, assegurando-nos de que aquele recorte não só convém aos nossos interesses, mas também é fiel à integridade de sua obra. Para tanto, é bom que tenhamos certeza que seu pensamento seja já reconhecido pelos outros.

             Dentre as obras que utilizo para tratar da temática proposta neste trabalho, uma das mais úteis é Crepúsculo dos Ídolos ou Como filosofar a marteladas (1888). Um livro ousado, como toda a obra de Nietzsche, que não deixa pedra sobre pedra daquilo que ataca, por isso, “a marteladas”. Podemos começar citando uma frase que cai como uma luva para este trabalho: “Há mais ídolos que realidades neste mundo”. Dito isto, agora creio que podemos caminhar juntos nessa tarefa de desconstrução.

            Nietzsche tem por referência, como valor superior, a Vida, mas essa vida não é em favor do homem – ela não está aí por causa dele, e sim o contrário: ele está aí por causa dela. Então, a Vida é um valor por si mesma. Por outro lado, a moral surge como um valor modelador do homem, “domestificador do animal homem”, e nesse afã, ela se contrapõe à própria Vida, contra os instintos trazidos pelo homem. Além disso, não existe apenas uma moral. A moral foi tecida, aqui e ali, por forças dominantes, por classes, grupos, indivíduos que estavam no poder. Assim, ela funciona em prol de quem está no poder, subjuga os dominados de então e submete os que vêm depois pela força da tradição, como se ela fosse um valor inato, válido em todos os tempos para todos os povos. A moral dita as ações, diz o que se deve e o que não se deve fazer dentro de uma sociedade. Desta forma, os homens fortes se vêm acorrentados por códigos morais que, se não seguidos à risca, os transformam em marginais, a escória da sociedade. Então Nietzsche dirá: “A moral anti-natural, isto é, toda moral ensinada, venerada e pregada até o presente, se dirige, ao contrário, precisamente contra os instintos vitais – ela é uma condenação, ora secreta, ora ruidosa e descarada desses instintos[4]”.

            Com essa citação, muitos poderão perguntar: “Nietzsche pretende então que os homens se mantenham no estágio selvagem? Vivendo quase como animais?”. Então, vejamos! Embora a moralidade tenha sido instaurada há muitos séculos nas sociedades da África às Américas, o que há de selvagem no homem foi debelado? Toda a violência que se tem conhecimento de norte a sul e de leste a oeste foi aplacada pela moral? O comportamento doentio, de ódio, de traição, de mau-caratismo de um sem-número de pessoas, história adentro até os dias de hoje, demonstra um declínio na animalidade humana? Alguém ousará responder essas perguntas com um sincero e sonoro “Sim!”? A mordaça da moral com os seus “Tu deves” e “Tu não deves” não passa de um artifício difundido para a dominação de uns por parte de outros. A moral que até agora foi imposta pretende igualar todos os homens, fracos e fortes, para a domestificação por parte da classe ou dos indivíduos que estão e pretendem se manter no poder em cada sociedade. Nas palavras de Nietzsche: “A fórmula geral que serve de base a toda religião e a toda moral se exprime assim: “Faça isto ou aquilo, não faça isto ou aquilo – então serás feliz! Caso contrário...” Toda moral, toda religião não é senão esse imperativo – eu o chamo o grande pecado hereditário da razão a imortal não-razão”.



[1] Aquele que tem por prioridades ganhar o pão de cada dia, ter um emprego, uma família, alguns bens básicos, sem se importar com as questões profundas, filosóficas, que pairam sobre a vida.
[2] Filósofo alemão, rotulado como “pessimista”, por apresentar em sua obra-prima, “O Mundo como Vontade e Representação”, uma visão de mundo nua e crua, onde toda a realidade é movida por uma vontade cega, sem objetivo racional, sem um fim que agrade a razão e o coração dos seres humanos.
[3] Termos retirados do latim.
[4] Crepúsculo dos Ídolos, Cap. A Moral como Manifestação contra a Natureza.

domingo, 1 de março de 2015

VIOLÊNCIA E HUMANIDADE

HUMANO: DEMASIADO VIOLENTO


Adentramos o século 21 sem ter dado cabo de um problema seríssimo que assola a humanidade desde o seu alvorecer: a violência humana. A Filosofia e a Religião já se debruçaram demasiadamente sobre essa problemática, mas foram até agora incapazes de se aprofundar nas causas da “bestialização humana”, de modo a evitar ou, pelo menos, contornar seus efeitos devastadores. Nessa perspectiva, venho através deste artigo levantar alguns pontos de vista, dentre os quais aquele que encontrei num texto recente, intitulado “A violência como condição humana”, de autoria de Alexandre Marques Cabral, publicado na revista Filosofia – Ciência & Vida Nº54 (Ed. Escala), que servirá de ponto de partida para outras considerações sobre a temática.

Como fica claro no próprio título, o autor desnudará sua convicção de que a violência é inerente à condição humana e tentará, com maestria, provar isso ontologicamente[1]. Sua proposição inicial confirma isso: “A história da humanidade e a história da violência parecem copertencerem por essência, não acidentalmente”. Linhas abaixo, ele avança com seus argumentos: “sofrer e fazer sofrer, portanto, parece ser o combustível dos povos. Isto significa dizer que as culturas em geral sempre elevaram o ideal sadomasoquista[2] à dignidade do altar”. O autor nega que a desvalorização dos valores supremos, tidos como absolutos (como a “Morte de Deus”, defendida por Nietzsche), sejam causa ou consequência da violência no homem. Também nega que seja um problema moral: “Não é a força ou o enfraquecimento axiológicos[3] que determinam a presença ou a ausência da violência”, e conclui, em seguida, que “a violência deve ser abordada ontologicamente”.

Cabral vai à Gênesis bíblica[4] para fundamentar seu pensamento: “Onde há ser humano há condições de violência. Não foi à toa que narrativa mítica da Bíblia judaico-cristã projetou as raízes da violência na relação entre os dois primeiros irmãos da humanidade: Caim e Abel. Isto sinaliza que, na raiz da humanidade, a violência está presente, tornando-se normativa[5] em toda história posterior”. Diz ainda ele: “Sair da animalidade para chegar e permanecer na racionalidade é a intenção ascética[6] que atravessa toda a luta ocidental contra a violência. [...] Não é à toa que a figura ocidental religiosa que personifica a violência e a degradação humana é a besta[7].

O autor lança mão dos existencialistas[8] de primeira grandeza, Kierkegaard, Heidegger e Sartre, dizendo que estes defenderam que o homem é “marcado por uma negatividade fundamental”, e argumenta: “Não sendo em sintonia com o modo próprio de ser da existência, o homem pode não suportar as alteridades[9] e não se abrir e não se abrir para novos modos de ser a partir da instauração de novas relações. Impotente para o jogo racional e conflitivo da existência, a violência passa a ser um dispositivo necessário para a manutenção de um tipo vital cristalizado, que não consegue abrir-se a novas alteridades e mudar a si mesmo. Por isso, a violência é sempre um recurso existencial que deflagra, sobretudo, a impotência daquele que dela faz uso”. Daí, ele conclui: “Frente à violência não s pode com uma fórmula mágica, mas devem-se criar múltiplas estratégias de resistência à sempre presente possibilidade de disseminação de mecanismos de reificação[10] da existência e do seu pressuposto vital, a saber, o tipo existencial impotente”.

Como podemos ver, o professor Marques Cabral não tem dúvidas de que dificilmente algum de nós terá forças suficientes para erradicar de si a violência, o que nos faz concluir que toda a humanidade, neste jogo existencial, está em xeque.

Porém, como disse no início deste artigo, esse primeiro texto servirá somente de abertura para uma discussão maior, levando em conta outros dois textos: um do professor de Ética Aplicada do programa de pós-graduação em Filosofia da Universidade Gama Filho, Delmo Mattos, cujo título é “Hobbes versus Aristóteles: a socialização como problema”, publicado na edição 54 da revista Filosofia – Ciência & Vida (Ed. Escala); e outro, de minha autoria, “Demasiado Humano?”, publicado na edição 29 da revista Filosofia – Conhecimento Prático (também da Ed. Escala).


  No primeiro desses textos, Mattos, apesar de admitir que a violência caminha junto com a humanidade, parece não seguir na mesma linha de Marques Cabral, como podemos ver nestas linhas: “Desde os primórdios da humanidade, a vida em sociedade é marcada por contradições e conflitos. Na atualidade, este fato está cada vez mais visível, na medida em que assistimos, atônitos, ao alto grau de violência nos grandes centros urbanos. A todo instante, somos conduzidos a crer que a violência faz parte da condição humana, ou seja, que somos naturalmente seres violentos. Com efeito, acreditar nesta premissa torna-se argumentativamente onerosa, pois, como se sabe, nada pode justificar de forma plausível que a violência nos é verdadeiramente inerente”.

Fazendo de Hobbes[11] e Aristóteles[12] porta-vozes de suas reflexões, Mattos vai analisar o problema da violência humana como sendo uma questão contornável pela via da racionalidade e, consequentemente, pela nossa capacidade enquanto seres sociais e políticos, embora todos nós saibamos que, até a atualidade, tudo isso não foi suficiente. Mesmo assim, o autor diz: “Thomas Hobbes [...] parte dos primeiros indícios de movimento do homem, em vistas ao conhecimento das paixões e outras faculdades humanas, com o objetivo maior de demonstrar, em um segundo momento, como estas paixões e faculdades determinam o comportamento inevitável do homem em relação aos outros homens, quando removida a obrigação do cumprimento da lei e dos contratos, o estado de natureza”. “[...] Hobbes caracterizará a natureza do “homem natural” no plano de interação a partir de dois predicados fundamentais: (a) o primeiro, decorrente da igualdade de condições, é a cobiça natural dos homens proveniente das suas paixões; (b) o segundo, é o desejo que cada homem possui de evitar a morte como o maior dos males da natureza”.

É fácil supor que, como homem do século 17, evidentemente, Hobbes teve a oportunidade de conhecer história de várias sociedades, de vários Estados, e assim pôde tecer pensamentos mais sofisticados que os de Aristóteles, que só teve para si os anos áureos da Grécia Antiga. Mesmo assim, é louvável que o autor, contrapondo esses filósofos tão cronologicamente afastados entre si, busque respostas em favor da sociabilidade humana.

Citando Aristóteles, diz Mattos: “Em sua obra Política, [...] o filósofo grego afirma ser a pólis (a cidade-estado grega) resultante de uma série de associações naturais, ou seja, como resultado de um processo natural de desenvolvimento, “tão natural como a união de homem e da mulher – com fim de preservar a espécie”. Uma associação humana qualquer é, segundo o filósofo em questão, um todo composto por pelo menos mais de um indivíduo, que tem como fim um determinado bem”.

Como era de se esperar, Delmo Mattos irá concluir, para a infelicidade de todos nós, humanos, o seguinte: “Diante dos argumentos de Hobbes, no qual ele contrasta a sociabilidade humana da sociabilidade animal, podemos inferir, por sua demonstração, que a sociabilidade humana é bastante diferente da sociabilidade natural aristotélica, pois mesmo os desvios do comportamento animal, este não deixam de perseguir um fim comum, enquanto que a conduta humana tende naturalmente para a desagregação. Por outro lado, os desvios dos homens, ao contrário dos animais, adquirem rapidamente o caráter de lutas e querelas que acabam por determinar em uma “guerra de todos contra todos”, colocando, portanto, em questão a própria sociabilidade humana”.

Chegando, por fim, ao meu próprio texto, devo logo salientar que o mesmo não foi escrito apenas com o intuito de investigar esse “mal no homem” – a violência de uns contra os outros –, mas também num sentimento de indignação e revolta em perceber que somos “impotentes” diante da animalidade que nos habita. No entanto, também devo acrescentar, nego-me a aceitar que somos maus por natureza, num sentido ontológico. Creio somente que bem e mal fazem parte de nossa natureza existencial, não de nossa essência. Para mim, o desequilíbrio entre essas duas potências no homem é que determina “um bem maior” ou “um mal maior” no mundo, como um todo.

Pois muito bem! Como são minhas próprias palavras (ou, pelo menos, emprestadas daqueles que serviram às minhas considerações), não farei ressalvas ou considerações neste último texto que concluirá nossa investigação, por ora. Transcreverei trechos interessantes dele, que me parecem úteis à nossa proposta aqui. E é assim que o começo: “Ao longo do tempo, os conflitos entre povos e nações mudaram seus motivos, porém mantiveram seu traço de absurdo. Se somos seres dotados de razão e interessados em encontrar a felicidade, por que, então, vivemos em guerra?”.

“Desde os tempos mais remotos, o homem vem tentando viver em bando, ou em sociedade, buscando assim sua proteção e seu bem-estar. Nessa trajetória, ele impôs regras a si mesmo, a fim de manter um convívio pacífico com seus semelhantes e tentar preservar sua vida e seus bens materiais e afetivos. No entanto, muitas foram (e ainda são) as dificuldades encontradas na realização de seu intento e, infelizmente, as ameaças a seu afã existencial, ao que parece, encontram- se nele mesmo. Entramos no século 21 incertos quanto à nossa capacidade de fazer desaparecer do nosso mundo a máxima que paira sobre a humanidade: bellum omnium contra omnes[13].

Diz Aristóteles: “O homem que deseja viver bem deve viver segundo a razão”, e que “O bem supremo realizado pelo homem (a felicidade) consiste em aperfeiçoar- se enquanto homem, na atividade que o diferencia de todas as outras criaturas – a racionalidade”. Lição aprendida? Evidentemente, não!”.

Diante de tantas dificuldades e, assim mesmo, buscando ainda uma saída para a nossa própria violência, fiquemos com esta indagação inquisidora de Nietzsche[14]: "Todos os seres até hoje criaram alguma coisa superior a si mesmos; e vós quereis ser o refluxo deste grande fluxo e até mesmo retroceder às bestas, em vez de superar o homem?".




[1] Ontologia é a parte da metafísica que trata da natureza, realidade e existência dos entes. A ontologia trata do ser enquanto ser, isto é, do ser concebido como tendo uma natureza comum que é inerente a todos e a cada um dos seres.
[2] Termo nascido da união de outras duas palavras: sadismo e masoquismo. O sadismo é a tendência em uma pessoa de prazer impondo o sofrimento físico e moral a outra pessoa. Já o masoquismo é a tendência oposta ao sadismo: a pessoa sente prazer em receber o sofrimento físico e moral de outra pessoa.
[3] Axiológico é tudo aquilo que se refere a um conceito de valor, isto é, os valores predominantes em uma determinada sociedade.
[4] Faz parte do Pentateuco e da Torá, os cinco primeiros livros bíblicos. Narra uma visão mitológica, desde a criação do mundo, na perspectiva hebraica, genealogias dos Patriarcas bíblicos, até à fixação deste povo no Egito, através da história de José.
[5] Normativo é aquilo que se entende como “regra”, ou “norma”, imposta inapelavelmente a todo ser ou coisa, dentro de um determinado contexto ou situação.
[6] O ascetismo é uma filosofia de vida na qual são refreados os prazeres mundanos, onde se propõem a austeridade. Pessoas que praticam um estilo de vida austero definem suas práticas como virtuosas e perseguem o objetivo de adquirir uma grande espiritualidade.
[7] A Besta do Apocalipse, ou simplesmente Besta, é uma figura do livro do Apocalipse de João que, na Bíblia, é relacionada ao Anticristo.
[8] Existencialismo é uma escola filosófica dos séculos XIX e XX. O filósofo Søren Kierkegaard é considerado o pai do existencialismo. Ele sustentava a ideia de que o indivíduo é o único responsável em dar significado à sua vida e em vivê-la de maneira sincera e apaixonada.
[9] Alteridade é a concepção de que todo o homem social interage e interdepende do outro. Assim, como muitos antropólogos e cientistas sociais afirmam, a existência do "eu-individual" só é permitida mediante um contato com o outro.
[10]  Processo em que uma realidade social ou subjetiva de natureza dinâmica e criativa passa a apresentar determinadas características (fixidez, automatismo, passividade) de um objeto inorgânico, perdendo sua autonomia e autoconsciência.
[11] Thomas Hobbes (1588-1679), matemático, teórico político, e filósofo inglês, autor de “Leviatã” (1651) e “Do cidadão” (1651).
[12] Aristóteles (384 a.C.-322 a.C.): filósofo grego, aluno de Platão e professor de Alexandre, o Grande, é visto como um dos fundadores da filosofia ocidental.
[13]  Expressão que em latim significa "A guerra de todos contra todos". Foi citada por Thomas Hobbes em sua obra Leviatã, descrevendo é esta que é essa a situação da humanidade no estado natural (pré-social).
[14] Friedrich Wilhelm Nietzsche (1844-1900), filólogofilósofocrítico culturalpoeta e compositor alemão do século XIX. Escreveu vários textos críticos sobre a religião, a moral, a cultura contemporânea, filosofia e ciência, exibindo uma predileção por metáforaironia e aforismo.

quarta-feira, 25 de fevereiro de 2015

REFLEXÕES DO SÉCULO XXI (Parte III)

SE DEUS NÃO EXISTE, QUEM OU O QUE GOVERNA O MUNDO?


O termo “Deus” tem significados diversos e conotações as mais variadas: “Senhor”, “Criador”, “Pai”, são alguns dos sinônimos, enquanto “Ser Supremo” “Bem Supremo”, “Soberano do Universo”, também são expressões usadas para se referir a Ele. Em cada religião o termo “Deus” ganha um nome próprio, também pode mudar de forma e atributos. A palavra “Deus” se tornou tão forte entre nós que, quando emitida, gera nas pessoas algum tipo de reação emocional, a qual será mais forte ou mais fraca, agradável ou desagradável, conforme seja a identificação de cada pessoa com ela. Embora em cada religião a ideia “Deus” se modifique, o que não muda basicamente é a sua relação com o homem e este com Ele. Dito de maneira objetiva e clara, o que as religiões parecem dizer é que ‘Deus foi feito para o homem e o homem foi feito para Deus’, o que evidentemente não leva a lugar algum.

Até aqui, nesta série de reflexões propostas, temos analisado apenas a noção de Deus conforme apresentada pelas religiões, já que são elas que pretendem dar conta do que Ele seja. Mas o que espero fique claro é que, além das divergências entre elas, há ainda incongruências enormes dentro delas mesmas. Como, por exemplo, na vertente católica do cristianismo, a ideia “Deus” é apresentada como “o bom Pai” que tem moradas no Reino dos Céus para todos os seus filhos (como está escrito no Novo Testamento). Ora, essa perspectiva não dá lugar para Jeová, “O Deus Irado” que amava apenas o povo hebreu. A vertente evangélica, embora maciçamente atrelada ao nome Jesus Cristo, parece remeta a ideia “Deus” de volta à sua concepção no Velho Testamento, tendo, inclusive, seu “Povo Escolhido”, “O Povo de Deus”, “Os Eleitos”, o que não é corroborado nem um pouco pelas palavras do Cristo. Assim, vemos que o que há, na verdade, é uma adequação da ideia “Deus” aos interesses de cada doutrina, fazendo daquele que deveria representar “o Absoluto” um joguete, uma marionete, que é apresentado aqui ou ali conforme não o que é, mas o que querem que seja.

Já se foi o tempo em que não se podia questionar a existência desse “Deus das religiões” (embora a Idade Média, insisto, ainda não tenha acabado). Hoje, esse questionamento já não é restrito à Filosofia acadêmica, aos tratados filosóficos de grandes pensadores, já podem ser encontradas publicações em bancas de revistas que trazem o tema à baila. Citarei duas aqui. A renomada revista Planeta (Editora Três), na sua edição 471, de dezembro de 2011, trouxe, como matéria de capa, “Sem fé nem Deus”. O texto de Mariana Tavares apresenta números do crescente aumento daqueles que não professam nenhuma religião, dos agnósticos e dos ateus. A matéria chama a atenção para o fato de que “ateu” não é apenas aquele que “não crê em Deus”, ele também “crê que Deus não existe” (o que se aproxima mais do objetivo deste artigo). Além disso, a matéria apresenta nomes de várias personalidades que “não acreditavam em Deus, como Portinari e Sartre, assim como os nomes de grandes opositores das religiões e da existência de Deus, como o biólogo britânico Richard Dawkins e o filósofo norte-americano Daniel Dennett. Enfim, o texto de Mariana Tavares é elucidativo e contextualizado, pois evoca também questões socioculturais e políticas deste início de século 21.


A segunda revista que citarei é a “Psique – Ciência & Vida” (Ed. Escala), que em sua edição 97 trouxe estampada em sua capa “Fé Cega”. Nela, o texto “Quem precisa de religião?”, Marcelo da Luz (professor, conferencista e autor do livro “Onde a Religião termina?”) faz uma abordagem mais psicológica dessas questões da fé em Deus. Ali, o autor cita, por exemplo, Freud, que considerava o fenômeno religioso “uma neurose coletiva”. O texto tenta contrabalançar os prós e os contras da fé, mas parece enfático em lembrar que certos fatores psicológicos como o medo da morte, por exemplo, fazem as pessoas se deixarem “manipular consciencialmente” pelas religiões. Também diz que “pessoas inseguras quanto as próprias capacidades anseiam encontrar alguém que lhes aponte uma estrada e lhes diga o que fazer”. Claro: é bem aí que a muleta “Deus” passa a ser o totem das religiões e aquela velha imagem do “pastor guiando as ovelhas”, tão atrelada ao cristianismo, não deixa dúvidas do nível de dependência dos fieis. Parece-me pertinente também transcrever aqui dois momentos do pensamento do autor, bastante corroboradores do que tenho dito: “[...] a idéia da religião pacífica parece ser um mito, pois as religiões, historicamente, sempre fizeram apologia da tirania e da escravidão”. “Se o ser superior é mensageiro de verdadeiro amor e fraternidade, não seria mais lógico que estimulasse os seres humanos à autonomia moral da consciência, no lugar de exigir adoração e louvores para si mesmo?”.

Acreditando que neste ponto todos já tenham percebido (embora não necessariamente aceitado) ao onde pretendo chegar, pois a fé se mostra renitentemente opositora da razão, devemos partir para a análise do que afinal sustenta, equilibra e governa todo o Universo, pois, como vimos, aquilo que até aqui foi chamado genericamente de “Deus” pelas religiões jamais poderia ser o promotor de tanta harmonia, sendo Ele próprio um ‘desequilibrado’, que ora tem um humor, ora tem outro; ora é de um jeito, ora é de outro.

Segundo nossa maneira lógica de perceber o Universo, a Natureza, a Existência, já concluímos, há algum tempo, que tudo isso é um “organismo auto-regulado”, auto-suficiente, tendo “leis” extremamente eficientes em mantê-lo e preservá-lo. Todas as espécies, aves, animais, plantas, assim como rios, montanhas, vales e florestas, enfim, tudo pode sucumbir, ser extinto, ser substituído, ser modificado etc, sempre parecendo que há ali um plano de “manutenção” de algo maior. Os primeiros filósofos se debruçaram sobre essa preocupação – qual a origem do Universo? qual a sua natureza? A isso deram o nome de cosmogonia (a gênese do cosmo); em seguida, empreenderam meditações sobre o Universo e suas possíveis leis, dando a isso o nome de cosmologia (o estudo do cosmo). Ali não havia qualquer preocupação ou qualquer esperança de se chegar a um “Deus” criador e mantenedor do mundo. A ideia “Deus”, no sentido religioso que tratamos até agora, era totalmente desconhecida para eles. É impressionante o que aqueles homens descobriram, embora carecendo totalmente de instrumentos tecnológicos e outros recursos, que somente surgiriam muitos séculos depois.

 Paulo de Tarso, o verdadeiro fundador da Igreja cristã, disse em uma de suas epístolas que “A razão do homem é, para Deus, loucura!” (I Coríntios: 3, 19). Mas quem deu a “Razão” para o homem, o Diabo? Se assim fosse, não haveria negar que o Diabo é realmente o grande rival de Deus, e que ambos são forças antagônicas poderosíssimas. Aí, nos veríamos diante de mais uma incongruência religiosa: a Religião nos diz que “Deus” é “onipotente”, o que significa dizer, lembremos, que só Ele detém todo o poder. E agora? Como vemos, se insistirmos em admitir a existência desse “Deus” das religiões, teremos ainda mais um problema: o Diabo. Portanto, como tenho proposto, deixemos “Deus” na sua santa inexistência, porque problemas nós já temos demais sem Ele.

Se, durante séculos, nos convencemos de que somos seres especiais, já é mais do que hora de, também, repensarmos essa ideia. Se somos racionais e livres, como muitos creem, já é tempo de compreender que essas qualidades podem não significar exatamente “vantagens” ou “privilégios”, haja vista o mau uso que temos feito dessa nossa razão e liberdade. Saímos da Idade Média, do obscurantismo, para o otimismo iluminista do início da Era Moderna. Mas esse otimismo com o futuro do homem, ao que parece, ‘morreu na praia’, assim que chegou ao século 19. E, para piorar as coisas, presenteamos a primeira metade do século 20 com as duas Grandes Guerras – o animal racional tinha aprendido a matar os da sua mesma espécie com requintes de crueldade e com armas cada vez mais poderosas; enquanto o animal irracional, aquele sem privilégios, continuava predador apenas das outras espécies que eram necessárias à sua alimentação. Quanta inveja a nossa, não?! Àquela altura, a tábua com os dez mandamentos divinos já podia ser usada para qualquer outra coisa, menos para ser o “Código das Leis de Deus”. Mais uma vez, vemos como os alicerces e as colunas dos templos religiosos, suas ideias, ideais e dogmas, são perigosamente abalados, sobrando apenas uma edificação em ruínas.

No século 17, portanto, logo depois da Idade Média, vamos ter notícia de um filósofo, chamado Baruch de Spinoza (1632-1677). Spinoza, como ficaria conhecido, surgiu com ideias inovadoras sobre o tema destas nossas reflexões. Apesar de ele ainda usar o termo “Deus”, sua noção sobre Ele era bastante diferente das dos demais filósofos de sua época e anteriores a ele, e praticamente oposta à das religiões – o que, evidentemente, lhe valeu uma tenaz perseguição religiosa, que culminou na excomunhão do filósofo, promulgada pela comunidade judaica de Amsterdam, em 27 de julho de 1656, conforme o trecho que se lê abaixo:

“Pela decisão dos anjos e julgamento dos santos, excomungamos, expulsamos, execramos e maldizemos Baruch de Spinoza... Maldito seja de dia e maldito seja de noite; maldito seja quando se deita e maldito seja quando se levanta; maldito seja quando sai e maldito seja quando regressa... Ordenamos que ninguém mantenha com ele comunicação oral ou escrita, que ninguém lhe preste favor algum, que ninguém permaneça com ele sob o mesmo teto ou a menos de quatro jardas, que ninguém leia algo escrito ou transcrito por ele”.

Como se pode ver, anjos e santos têm em seus corações a mesma malignidade de qualquer homem mesquinho e a mesma ira dos rancorosos e ofendidos. Levando em conta que tal texto realmente fosse a decisão de seres celestiais, não me restaria dúvida de que eu preferiria a companhia de assassinos e ladrões a compartilhar com eles qualquer céu. Mas saiba-se que tal ira e rancor habitam o âmago de todas essas religiões que se dizem promotoras da paz e da fé, simplesmente porque são invencionices de homens; e, pior, dos homens mais baixos e obtusos – os sacerdotes. A escória que quer manter-se sempre no poder, escondendo-se sob o manto da ‘falsa humildade’.

Como disse linhas acima, embora Spinoza use o termo “Deus”, veremos que o “Deus-criador” do qual ele fala nada tem a ver com o da teologia cristã. Na sentença a seguir, o filósofo explica a existência de Deus: “[...] os homens confundem inteiramente a natureza divina com a humana. [...] Deus está em toda parte não como um espectador num teatro, isto é, exterior ao espetáculo, mas está em toda parte como força, que põe e conserva as coisas, força interior às coisas postas por ela.” Neste ponto, é bom lembrar o objetivo de nossa “reflexão”: não é o de devolver a existência ao “Deus das religiões”, e, sim, descobrir o que ou quem mantém o Universo. O ‘Deus de Spinoza’ se confunde com o que chamamos de “Natureza”, só que numa perspectiva existencial imanente, e não ecológica, como se costuma falar dela. Deus, nessa concepção, seria a Natureza não só que cria todos os seres, mas também a que está neles, os atualiza e os mantém. Spinoza acrescenta: “É claro que o vulgo não conhece absolutamente a natureza divina e lhe atribui uma vontade semelhante à do homem que, em nós, é concebida como distinta do intelecto. Creio que se deve ver nisso a base da superstição e de inúmeros crimes”. Sem dúvida!

Creio pertinente acrescentar ainda três noções maduras do pensamento do filósofo, a saber: “o bom e o mau”, “essência e existência” e “o que é a vida nos seres”. Para tanto, resumirei o pensamento de Spinoza, buscando não prejudicar (e, sim, facilitar) sua compreensão. Pois, muito bem! O filósofo diz que considerar uma coisa como boa ou má é uma questão puramente humana, pois o homem pensa tudo em relação ao bem ou ao mal que lhe causa; por sua vez, Deus desconhece esse bem ou mal, pois, sendo Ele perfeito, vê tudo o que acontece (portanto, também o que nos acontece) como “perfeito”, e somente em nossa mente, consideramos algo bom ou mau. Inferimos daí que “o Deus-bondade” dos religiosos é um absurdo, uma impossibilidade, visto que na suposta mente de Deus, “bom” e “mau” não existem, quando muito, “tudo seria apenas bom”, então como ele poderia vir ao auxílio do homem, quando solicitado em prece, para lhe proporcionar um bem, se, em última instância, Ele só fez e faz “o bem”?

 A segunda noção a considerar é aquela que o filósofo fala da “essência e existência de Deus”. Diz ele que, “em Deus, essência e existência são a mesma coisa”, ou seja, a verdade é que “Deus é”, enquanto nós, seres humanos, dizemos “Deus existe”. Volto a lembrar que o que está sendo dito neste parágrafo de nenhuma forma entra em contradição com o que já foi dito anteriormente, isto é, que “Deus não existe”. Primeiramente porque o que está sendo alvo de desconstrução nestas “Reflexões” é a ideia “Deus” das religiões, e agora passamos a considerar (como posto no título deste capítulo) o que ou quem ordena, atualiza e mantém o Universo, a despeito de Spinoza ainda chamar “isso” de “Deus”.

A terceira e última noção a ser considerada será dita nas próprias palavras do filósofo de Amsterdam, como segue: “Entendemos por vida a força pela qual as coisas perseveram em seu ser” (o grifo é dele). Em outras palavras: há uma força que produz o que chamamos “o ser vivente”, ou “o ser vivo”. O que há de importante nisso que remete à temática da existência ou não de Deus? Esclareço! Se estiverem me acompanhando (ou melhor, acompanhando o pensamento de Spinoza), lembrarão que aqui foi dito que o filósofo, em seu pensamento, faz com que “Deus” e “Natureza” sejam uma e a mesma coisa. Assim, se considerarmos que a “Natureza” tem seus próprios objetivos (criação, manutenção e preservação), dentre as suas “preocupações”, digamos assim, também está “o homem”, mas não que ele seja “o queridinho dela”, o que não nos dará margem para crermos que “rogando seus favores” (como se faz ao Deus e deuses das religiões) ela virá ao nosso auxílio, como “um fiel menino de recados”. Portanto, estamos sós com os nossos problemas, embora a “Natureza” também cuide de nós, dentro do que ela se propôs desde toda a eternidade, amém!



Para concluir este capítulo, embora sem a pretensão de termos encerrado a temática, tal é a sua profundidade, direi, como tenho dito reiteradamente, que o que pretendi com esses três primeiros capítulos da série “Reflexões” foi incentivar aqueles que realmente desejam se libertar das amarras da Idade Média e dos horrores e absurdos das religiões a encontrarem por si mesmos, sem o auxílio de intermediários inescrupulosos e interesseiros, os mercenários da fé, qual seria essa “Força” que, sem contradito, é a que manifestou o Universo e deu vida a todos os seres, que os equilibra com suas leis inexoráveis e que tudo preserva, ainda que impingindo a todas as coisas mutações, como a morte, por exemplo. Se compreendemos que essa “Força” tem o poder de criar, manter e preservar tudo o que “é”, pois tudo se resume nela mesma, e, ainda assim, ao mesmo tempo, compreendemos que, por sermos mortais, somos descartáveis, como o mais insignificante lixo humano, e desaparecemos para sempre, então nada ficou entendido de tudo o que foi exposto até aqui. De minha parte, serei sempre fiel não à mera ideia, mas, sim, à convicção, respaldada no sério escrutínio da Razão, de que o fato de sermos mortais, como corpos, não nos tira o direito supremo, outorgado pela própria Natureza, de sermos “eternos”, posto que nossa “essência” participa não da existência efêmera e fugaz, mas da Eternidade.